terça-feira, 16 de outubro de 2007

Ian Stevenson e a questão da reencarnação


“Esta instituição estará baseada no desejo de liberdade ilimitável da mente humana. Não temos nenhum medo de seguir a verdade onde quer que ela possa nos conduzir, nem toleramos qualquer erro na medida em que a razão será deixada livre para combatê-lo.”

Thomas Jefferson

Metade de uma carreira com a paranormalidade

Half a career with the paranormal

Stevenson, I. / Rev. Psiq. Clín. 34, supl 1; 150-1
55, 2007
Ian Stevenson, MDDepartment of Psychiatric Medicine University of Virginia Health System Charlottesville, VA, EUATradução: Gisela Paraná Sanches
Endereço para correspondência: Ian Stevenson, MD. Department of Psychiatric Medicine Division of Personality Studies University of Virginia Health System P. O. Box 800152 Charlottesville, VA – 22908-0152 – EUA. Fone: (434) 924-2281. Fax: (434) 924-1712. E-mail: ips6r@virginia.edu

Para começar com uma definição, a palavra paranormalidade significa comunicação sem os processos sensórios atualmente reconhecidos; também pode se referir a movimentos físicos sem os processos físicos reconhecidos. Por vários séculos, os fenômenos agora descritos como paranormais ocorreram e foram descritos. A maioria dos historiadores do assunto concorda, porém, que investigações sistemáticas sobre tais ocorrências não começaram até 1882, quando a Sociedade para Pesquisa Psíquica (Society for Psychical Research – SPR) foi fundada em Londres. Seus fundadores declararam abertamente sua intenção de investigar fenômenos incomuns.

Eu sou um retardatário nesse campo, porque minha atividade nessa área não começou até que eu já tivesse me estabelecido na psiquiatria convencional. Tive treinamento nessa especialidade e em medicina psicossomática. Minha pesquisa e treinamento me permitiram avançar em posições acadêmicas; em 1957, fui designado professor e diretor do Departamento de Psiquiatria na Universidade de Virgínia.

Como alcancei aquela posição requer uma pequena digressão. Desde meu nascimento sofri com repetidas crises de bronquite e passei muito tempo de cama. As doenças me mantiveram em casa, mas por isso eu li muito e minha prestativa mãe continuou se empenhando em restabelecer minha saúde. Eu tenho uma memória extraordinariamente retentiva e, em fases de boa saúde, passava à frente de meus pares na escola. Os professores gostam de estudantes superiores, e me tornei o favorito de alguns na Universidade de McGill. Depois de ter me recuperado de várias crises de pneumonia, um dos professores me aconselhou a trocar o frio do Canadá pelo calor do Arizona. No Arizona, de alguma maneira, aprendi a melhorar minha saúde. Depois disso, retomei um caminho de crescimento em meu treinamento e em minha colocação acadêmica.

Ao longo de meu desenvolvimento adquiri a reputação de dissidente (maverick). Este epíteto parecia apropriado para alguém que questionou o pressuposto, mantido de modo dogmático pela maioria dos psiquiatras da época, que a personalidade humana é mais plástica na primeira infância e na infância do que em anos posteriores (Stevenson, 1957). A publicação de meu questionamento a essa doutrina aborreceu muitos de meus colegas em psiquiatria e até mesmo enfureceu alguns. Para mim, a recepção de meu artigo sobre esse assunto proporcionou-me um treinamento útil para responder à rejeição de meus estudos sobre os fenômenos paranormais.

No período de minha contratação na Universidade de Virgínia, voltei a um interesse anterior. Em minha infância, tive contato com relatórios de fenômenos paranormais ao ler, na extensa biblioteca de minha mãe, livros sobre religiões orientais e teosofia, sendo esta última um derivado do budismo e do hinduísmo. Meu treinamento em medicina tinha me fornecido alguma compreensão sobre os métodos científicos e comecei a me perguntar sobre as evidências de fenômenos incomuns relatados nos livros que eu havia lido. Não pareciam conclusivos, mas também não pareciam desprezíveis. Assim eu li mais sobre pesquisas a respeito da paranormalidade, especialmente nos trabalhos dos fundadores da SPR, como Myers e Gurney, por quem desenvolvi uma permanente admiração. Também fui me familiarizando com os líderes da American Society for Psychical Research que era, digamos assim, uma espécie de irmã mais jovem da SPR. Nesse grupo, C. J. Ducasse e Laura Dale ganharam especialmente minha gratidão ao me mostrarem que o ceticismo sobre alguma evidência de fenômenos paranormais não excluiu a aceitação de outra evidência.

Eu precisei da orientação deles. Minhas primeiras publicações no campo eram resenhas de livros, e uma das primeiras delas quase expôs minha inexperiência publicamente. Eu escrevi uma resenha de um livro intitulado “O terceiro olho: a autobiografia de um lama tibetano”. Seu autor afirmava ter sido um lama tibetano dotado de imensos poderes paranormais. Eu o estava levando a sério até que, em tempo, descobri que o autor desse livro era um inglês que nunca tinha ido ao Tibete, muito menos voltado de lá. Eu modifiquei minha resenha (Stevenson, 1958).

A experiência de escrever sobre um assunto provê meios excelentes de se aprender sobre ele. Desse modo, aprendi muito escrevendo e depois publicando na Revista Harpers um artigo de revisão sobre parapsicologia intitulado “Os fatos incômodos sobre percepção extra-sensorial” (Stevenson, 1959). Esse artigo ganhou a aprovação do Dr. J. B. Rhine que era então o diretor de um laboratório de pesquisa na Universidade de Duke (Rhine tinha renomeado o campo, ou pelo menos parte significativa dele, de parapsicologia. Nesse campo, ele e sua esposa, Dr. Louisa Rhine, eram os soberanos indisputados).

Em 1959, visitei os Rhines e seus colaboradores. Depois do convencional café da manhã com conversas gerais sobre parapsicologia, Louisa Rhine me levou a uma sala ao lado para uma conversa particular. Lá ela me explicou sobre sua convicção de que nada de significativo poderia ser feito a partir de relatos de casos individuais. Na visão dela, eles eram todos inúteis como evidência científica. Em meu artigo na Revista Harpers eu havia mencionado relatos de casos individuais e escrevi que pelo menos alguns deles mereciam a atenção de pesquisadores. Louisa Rhine generosamente esperava me poupar de esforços inúteis. Sua advertência veio tarde demais. Alguns dos relatos que eu havia lido anteriormente de investigadores da paranormalidade em relação ao que chamavam de “casos espontâneos” me impressionaram profundamente. Apesar de suas restrições sobre eles, Louisa Rhine estudou casos espontâneos, não obstante ela tenha quase exclusivamente pesquisado o lado dos receptores (percipients) de um caso. Porém, pesquisadores anteriores haviam investigado ambos os lados, o dos remetentes (ou agentes) e o dos receptores das experiências. Eles notaram características semelhantes em muitos dos casos relatados. Entre eles, havia uma alta incidência de morte súbita e freqüentemente violenta (ou outra crise séria) no agente e uma ligação emocional familiar ou de outro tipo entre os dois participantes de um caso.

Eu decidi investigar casos que chamaram a minha atenção e comecei a publicar relatórios sobre eles. Nesse momento – final dos anos 1950 – meu interesse anterior sobre reencarnação reavivou-se e rapidamente descobri que poucos casos sugestivos de reencarnação tinham sido investigados. Uma das poucas exceções era um relatório de quatro casos publicado por um investigador indiano em uma revista francesa (Sunderlal, 1924) (soube depois que o autor oferecera seu relatório primeiramente a uma revista americana que o tinha rejeitado). Pensei que, talvez, mesmo casos não investigados poderiam revelar alguma característica interessante. Eu examinei os detalhes publicados de 44 relatos nos quais se diziam lembrar de uma vida anterior. Eu havia chegado a eles por meio de jornais, revistas e livros. A maioria desses relatos fornecia poucos detalhes, e quase nenhum ofereceu qualquer evidência comprovada (ou mesmo comprovável). Eu reduzi os 44 casos excluindo aqueles nos quais o sujeito, e presumida pessoa falecida, estava relacionado ou era conhecido e aqueles nos quais o sujeito fez seis ou menos declarações sobre a vida passada. Dos 28 casos restantes, a idade em que ocorreu a primeira comunicação sobre a vida prévia era conhecida em 25. Em 22 deles, as recordações reivindicadas tinham sido proferidas pela primeira vez quando o sujeito era uma criança de menos de 10 anos de idade. Isso parecia merecer uma maior atenção. Correspondentemente, eu havia publicado na Revista da Sociedade Americana para Pesquisa Psíquica (Journal of the American Society for Psychical Research) um artigo de duas partes sobre esses casos e recomendei que mais crianças como essas deveriam ser buscadas e que suas declarações fossem investigadas (Stevenson, 1960a, 1960b).

Nunca me ocorreu, na época, que eu seria a pessoa que iniciaria as investigações que eu mesmo defendi. Eu estava muito ocupado: administrando um departamento, cuidando de pacientes, e envolvido em outra pesquisa. Entretanto, meu artigo havia chamado a atenção de duas pessoas cujo interesse e apoio foram estimulados por ele. Essas pessoas influenciaram minha vida profundamente.

A primeira delas, Eileen Garrett, era uma médium espiritualista e uma empresária notavelmente próspera. Ela tinha persuadido um doador rico a estabelecer a Parapsychology Foundation da qual Eileen era a presidente. Eu a conheci por volta de 1957 e, na ocasião, mencionei a ela meu interesse pela reencarnação. No início de 1961, ela me telefonou e disse que havia recebido um relato de uma criança na Índia que declarava se lembrar de uma vida anterior. A criança parecia ser como aquelas que eu havia mencionado em meu artigo. A Sra. Garrett me perguntou se eu estaria interessado em ir para a Índia para investigar as declarações da criança. A Parapsychology Foundation pagaria minhas despesas. Eu aceitei a sugestão dela, compreendendo que eu só poderia ir para a Índia durante minhas férias, em agosto. Quando agosto chegou, eu fui para a Índia e passei quatro semanas lá e em torno de uma semana no Ceilão (hoje Sri Lanka). Antes de partir para a Ásia, obtive algumas informações fragmentárias a respeito de aproximadamente três ou quatro outros casos na Índia e aproximadamente dois no Sri Lanka. Essas informações, porém, não me prepararam para a surpresa de encontrar uma abundância de casos em ambos os países. Até que eu deixasse a Ásia, eu havia descoberto nada menos que 25 casos na Índia e sete no Sri Lanka. Em menos de cinco semanas eu não pude investigar todos esses casos adequadamente e então selecionei alguns para estudar cuidadosamente. Eu registrei os locais e alguns detalhes sobre os outros casos.

Uma segunda surpresa para mim, durante essa primeira viagem para a Índia, ocorreu quando descobri que os casos consistiam muito mais que apenas uma criança que afirmava se lembrar de uma vida passada. As crianças também mostravam um comportamento que era incomum em suas famílias e que, nos casos nos quais as declarações foram verificadas, coincidiam com o comportamento das pessoas falecidas as quais as crianças reivindicaram ter sido. Desse modo, minha primeira viagem para a Ásia mostrou-me a necessidade de mais viagens.

Isso me leva ao segundo leitor importante de meu artigo de 1960 no Journal of the American Society for Psychical Research. Este era Chester F. Carlson, o inventor da xerografia. Ele era um cientista e, antes de seu segundo matrimônio, acreditava, como a maioria dos cientistas o fazia (e ainda faz), que a mente é só um produto do cérebro e que suas propriedades são inteiramente físicas. Sua segunda esposa, Dorris, tinha certa capacidade de percepção extra-sensorial. Ela impressionou o marido com sua habilidade e também o influenciou a apoiar a pesquisa sobre fenômenos paranormais. Em 1961, ele me ofereceu fundos para minha pesquisa, depois de eu já ter me comprometido a viajar para a Índia em agosto. Eu lhe disse que, honestamente, não poderia aceitar um fundo adicional naquele momento (antes de ir para a Índia, entretanto, eu aceitei dele algumas centenas de dólares para comprar um gravador).

Quando meu primeiro trabalho na Índia mostrou a necessidade de viagens adicionais para lá, me ocorreu que eu poderia fazer essas viagens reduzindo o tempo que dedicava, na época, à prática clínica. Chester Carlson tornou isso possível com doações anuais para a Universidade de Virgínia. Em 1964, ele fez uma doação particularmente grande que se tornou como um “depósito” para uma cadeira doada da qual eu fui o primeiro titular. Esta foi, inicialmente, uma das primeiras dessas cadeiras na Universidade da Virgínia. Os fundos da cadeira doada me deram tempo para mais pesquisas, mas as despesas de viagens para investigar os casos ainda precisavam de doações anuais, o que Chester Carlson também providenciou.

Como um doador de fundos para pesquisa, Chester Carlson era incomum, talvez único. Ele insistia em fazer doações anonimamente, mas outros doadores também fizeram isso. A maioria dos doadores, entretanto, permaneceu destacada depois dos detalhes da pesquisa que eles apoiaram. Chester Carlson, ao contrário, acompanhava os detalhes da pesquisa – ao menos das que eu fazia – com grande interesse. Ele disse que gostaria de observar algumas de minhas entrevistas e me acompanhou a uma de minhas viagens de campo para o Alasca, onde eu estava estudando casos entre as pessoas de Tlingit. Ele às vezes fazia perguntas, mas nunca de modo impróprio ou ofensivo. Ele raramente fazia sugestões, mas o que ele dizia sempre merecia atenção. Minha amizade com ele encontra-se entre as mais agradáveis e também, devo dizer, as mais importantes de minhas lembranças.

O relatório de meu primeiro estudo na Ásia estava no prelo quando, inesperadamente, um homem que tinha me ajudado com alguns casos foi acusado de trapaça. Embora a alegação se aplicasse a experiências com as quais eu não tinha relação, a suspeita se abateu sobre o trabalho que o acusado tinha feito para mim, e o editor interrompeu a impressão de meu relatório. Eu tinha tido outros intérpretes, além do acusado de enganar, e, acreditando que o homem não tinha trapaceado ao trabalhar comigo, propus voltar à Índia e estudar os casos novamente. Entretanto, isso exigiria grande despesa adicional e eu pedi um conselho a Chester Carlson. Ele me encorajou a voltar à Índia. Eu fiz isso e, com intérpretes novos, mostrei a autenticidade dos casos. A impressão de meu relatório foi então retomada sendo publicado, como se esperava, como “Vinte casos sugestivos de reencarnação” (Stevenson 1966/1974a).

Durante os oito anos do apoio de Chester Carlson à minha pesquisa (1961-1968), eu ainda não estava exclusivamente comprometido com o estudo de fenômenos paranormais. Minha bibliografia demonstra que meu interesse em psiquiatria e medicina psicossomática não tinha diminuído. Eu tive e ainda tenho um interesse profundo na questão de por que uma pessoa desenvolve um tipo de doença em vez de outro. Artigos sobre esse assunto podiam ser publicados em revistas convencionais, enquanto estudos sobre fenômenos paranormais não podiam. Em 1960, eu publiquei um livro sobre a técnica de entrevista (Stevenson, 1960/1971). Alguns anos depois eu publiquei outro livro, realmente um livro de ensino, sobre exames psiquiátricos (Stevenson, 1969).

Nesse período, eu ampliei meus estudos de fenômenos paranormais para além da pesquisa de crianças que afirmavam se lembrar de vidas passadas. Por exemplo, eu investiguei e publiquei documentos sobre aparições, premonição, mediunidade e “fotografias psíquicas”. Em 1970, eu publiquei meu primeiro livro sobre fenômenos paranormais, o que eu chamei de “Impressões telepáticas” (Stevenson, 1970) (isso deu a Dra. Louisa Rhine, que resenhou o livro, uma oportunidade para depreciar o estudo de casos espontâneos mais publicamente). Minha realização mais importante desse período, porém, foi a publicação mencionada de 1966 de meu livro “Vinte casos sugestivos de reencarnação” (Stevenson, 1966/1974a). Ele apresentava relatos dos casos com abundantes detalhes sobre os informantes de cada caso e o que eles tinham dito sobre os sujeitos que afirmavam ter vivido vidas passadas.

Para começar com uma definição, a palavra paranormalidade significa comunicação sem os processos sensórios atualmente reconhecidos; também pode se referir a movimentos físicos sem os processos físicos reconhecidos. Por vários séculos, os fenômenos agora descritos como paranormais ocorreram e foram descritos. A maioria dos historiadores do assunto concorda, porém, que investigações sistemáticas sobre tais ocorrências não começaram até 1882, quando a Sociedade para Pesquisa Psíquica (Society for Psychical Research – SPR) foi fundada em Londres. Seus fundadores declararam abertamente sua intenção de investigar fenômenos incomuns. Eu sou um retardatário nesse campo, porque minha atividade nessa área não começou até que eu já tivesse me estabelecido na psiquiatria convencional. Tive treinamento nessa especialidade e em medicina psicossomática. Minha pesquisa e treinamento me permitiram avançar em posições acadêmicas; em 1957, fui designado professor e diretor do Departamento de Psiquiatria na Universidade de Virgínia. Como alcancei aquela posição requer uma pequena digressão. Desde meu nascimento sofri com repetidas crises de bronquite e passei muito tempo de cama. As doenças me mantiveram em casa, mas por isso eu li muito e minha prestativa mãe continuou se empenhando em restabelecer minha saúde. Eu tenho uma memória extraordinariamente retentiva e, em fases de boa saúde, passava à frente de meus pares na escola. Os professores gostam de estudantes superiores, e me tornei o favorito de alguns na Universidade de McGill. Depois de ter me recuperado de várias crises de pneumonia, um dos professores me aconselhou a trocar o frio do Canadá pelo calor do Arizona. No Arizona, de alguma maneira, aprendi a melhorar minha saúde. Depois disso, retomei um caminho de crescimento em meu treinamento e em minha colocação acadêmica. Ao longo de meu desenvolvimento adquiri a reputação de dissidente (maverick). Este epíteto parecia apropriado para alguém que questionou o pressuposto, mantido de modo dogmático pela maioria dos psiquiatras da época, que a personalidade humana é mais plástica na primeira infância e na infância do que em anos posteriores (Stevenson, 1957). A publicação de meu questionamento a essa doutrina aborreceu muitos de meus colegas em psiquiatria e até mesmo enfureceu alguns. Para mim, a recepção de meu artigo sobre esse assunto proporcionou-me um treinamento útil para responder à rejeição de meus estudos sobre os fenômenos paranormais. No período de minha contratação na Universidade de Virgínia, voltei a um interesse anterior. Em minha infância, tive contato com relatórios de fenômenos paranormais ao ler, na extensa biblioteca de minha mãe, livros sobre religiões orientais e teosofia, sendo esta última um derivado do budismo e do hinduísmo. Meu treinamento em medicina tinha me fornecido alguma compreensão sobre os métodos científicos e comecei a me perguntar sobre as evidências de fenômenos incomuns relatados nos livros que eu havia lido. Não pareciam conclusivos, mas também não pareciam desprezíveis. Assim eu li mais sobre pesquisas a respeito da paranormalidade, especialmente nos trabalhos dos fundadores da SPR, como Myers e Gurney, por quem desenvolvi uma permanente admiração. Também fui me familiarizando com os líderes da American Society for Psychical Research que era, digamos assim, uma espécie de irmã mais jovem da SPR. Nesse grupo, C. J. Ducasse e Laura Dale ganharam especialmente minha gratidão ao me mostrarem que o ceticismo sobre alguma evidência de fenômenos paranormais não excluiu a aceitação de outra evidência. Eu precisei da orientação deles. Minhas primeiras publicações no campo eram resenhas de livros, e uma das primeiras delas quase expôs minha inexperiência publicamente. Eu escrevi uma resenha de um livro intitulado “O terceiro olho: a autobiografia de um lama tibetano”. Seu autor afirmava ter sido um lama tibetano dotado de imensos poderes paranormais. Eu o estava levando a sério até que, em tempo, descobri que o autor desse livro era um inglês que nunca tinha ido ao Tibete, muito menos voltado de lá. Eu modifiquei minha resenha (Stevenson, 1958). A experiência de escrever sobre um assunto provê meios excelentes de se aprender sobre ele. Desse modo, aprendi muito escrevendo e depois publicando na Revista Harpers um artigo de revisão sobre parapsicologia intitulado “Os fatos incômodos sobre percepção extra-sensorial” (Stevenson, 1959). Esse artigo ganhou a aprovação do Dr. J. B. Rhine que era então o diretor de um laboratório de pesquisa na Universidade de Duke (Rhine tinha renomeado o campo, ou pelo menos parte significativa dele, de parapsicologia. Nesse campo, ele e sua esposa, Dr. Louisa Rhine, eram os soberanos indisputados).Em 1959, visitei os Rhines e seus colaboradores. Depois do convencional café da manhã com conversas gerais sobre parapsicologia, Louisa Rhine me levou a uma sala ao lado para uma conversa particular. Lá ela me explicou sobre sua convicção de que nada de significativo poderia ser feito a partir de relatos de casos individuais. Na visão dela, eles eram todos inúteis como evidência científica. Em meu artigo na Revista Harpers eu havia mencionado relatos de casos individuais e escrevi que pelo menos alguns deles mereciam a atenção de pesquisadores. Louisa Rhine generosamente esperava me poupar de esforços inúteis. Sua advertência veio tarde demais. Alguns dos relatos que eu havia lido anteriormente de investigadores da paranormalidade em relação ao que chamavam de “casos espontâneos” me impressionaram profundamente. Apesar de suas restrições sobre eles, Louisa Rhine estudou casos espontâneos, não obstante ela tenha quase exclusivamente pesquisado o lado dos receptores (percipients) de um caso. Porém, pesquisadores anteriores haviam investigado ambos os lados, o dos remetentes (ou agentes) e o dos receptores das experiências. Eles notaram características semelhantes em muitos dos casos relatados. Entre eles, havia uma alta incidência de morte súbita e freqüentemente violenta (ou outra crise séria) no agente e uma ligação emocional familiar ou de outro tipo entre os dois participantes de um caso.Eu decidi investigar casos que chamaram a minha atenção e comecei a publicar relatórios sobre eles. Nesse momento – final dos anos 1950 – meu interesse anterior sobre reencarnação reavivou-se e rapidamente descobri que poucos casos sugestivos de reencarnação tinham sido investigados. Uma das poucas exceções era um relatório de quatro casos publicado por um investigador indiano em uma revista francesa (Sunderlal, 1924) (soube depois que o autor oferecera seu relatório primeiramente a uma revista americana que o tinha rejeitado). Pensei que, talvez, mesmo casos não investigados poderiam revelar alguma característica interessante. Eu examinei os detalhes publicados de 44 relatos nos quais se diziam lembrar de uma vida anterior. Eu havia chegado a eles por meio de jornais, revistas e livros. A maioria desses relatos fornecia poucos detalhes, e quase nenhum ofereceu qualquer evidência comprovada (ou mesmo comprovável). Eu reduzi os 44 casos excluindo aqueles nos quais o sujeito, e presumida pessoa falecida, estava relacionado ou era conhecido e aqueles nos quais o sujeito fez seis ou menos declarações sobre a vida passada. Dos 28 casos restantes, a idade em que ocorreu a primeira comunicação sobre a vida prévia era conhecida em 25. Em 22 deles, as recordações reivindicadas tinham sido proferidas pela primeira vez quando o sujeito era uma criança de menos de 10 anos de idade. Isso parecia merecer uma maior atenção. Correspondentemente, eu havia publicado na Revista da Sociedade Americana para Pesquisa Psíquica (Journal of the American Society for Psychical Research) um artigo de duas partes sobre esses casos e recomendei que mais crianças como essas deveriam ser buscadas e que suas declarações fossem investigadas (Stevenson, 1960a, 1960b). Nunca me ocorreu, na época, que eu seria a pessoa que iniciaria as investigações que eu mesmo defendi. Eu estava muito ocupado: administrando um departamento, cuidando de pacientes, e envolvido em outra pesquisa. Entretanto, meu artigo havia chamado a atenção de duas pessoas cujo interesse e apoio foram estimulados por ele. Essas pessoas influenciaram minha vida profundamente. A primeira delas, Eileen Garrett, era uma médium espiritualista e uma empresária notavelmente próspera. Ela tinha persuadido um doador rico a estabelecer a Parapsychology Foundation da qual Eileen era a presidente. Eu a conheci por volta de 1957 e, na ocasião, mencionei a ela meu interesse pela reencarnação. No início de 1961, ela me telefonou e disse que havia recebido um relato de uma criança na Índia que declarava se lembrar de uma vida anterior. A criança parecia ser como aquelas que eu havia mencionado em meu artigo. A Sra. Garrett me perguntou se eu estaria interessado em ir para a Índia para investigar as declarações da criança. A Parapsychology Foundation pagaria minhas despesas. Eu aceitei a sugestão dela, compreendendo que eu só poderia ir para a Índia durante minhas férias, em agosto. Quando agosto chegou, eu fui para a Índia e passei quatro semanas lá e em torno de uma semana no Ceilão (hoje Sri Lanka). Antes de partir para a Ásia, obtive algumas informações fragmentárias a respeito de aproximadamente três ou quatro outros casos na Índia e aproximadamente dois no Sri Lanka. Essas informações, porém, não me prepararam para a surpresa de encontrar uma abundância de casos em ambos os países. Até que eu deixasse a Ásia, eu havia descoberto nada menos que 25 casos na Índia e sete no Sri Lanka. Em menos de cinco semanas eu não pude investigar todos esses casos adequadamente e então selecionei alguns para estudar cuidadosamente. Eu registrei os locais e alguns detalhes sobre os outros casos. Uma segunda surpresa para mim, durante essa primeira viagem para a Índia, ocorreu quando descobri que os casos consistiam muito mais que apenas uma criança que afirmava se lembrar de uma vida passada. As crianças também mostravam um comportamento que era incomum em suas famílias e que, nos casos nos quais as declarações foram verificadas, coincidiam com o comportamento das pessoas falecidas as quais as crianças reivindicaram ter sido. Desse modo, minha primeira viagem para a Ásia mostrou-me a necessidade de mais viagens. Isso me leva ao segundo leitor importante de meu artigo de 1960 no Journal of the American Society for Psychical Research. Este era Chester F. Carlson, o inventor da xerografia. Ele era um cientista e, antes de seu segundo matrimônio, acreditava, como a maioria dos cientistas o fazia (e ainda faz), que a mente é só um produto do cérebro e que suas propriedades são inteiramente físicas. Sua segunda esposa, Dorris, tinha certa capacidade de percepção extra-sensorial. Ela impressionou o marido com sua habilidade e também o influenciou a apoiar a pesquisa sobre fenômenos paranormais. Em 1961, ele me ofereceu fundos para minha pesquisa, depois de eu já ter me comprometido a viajar para a Índia em agosto. Eu lhe disse que, honestamente, não poderia aceitar um fundo adicional naquele momento (antes de ir para a Índia, entretanto, eu aceitei dele algumas centenas de dólares para comprar um gravador). Quando meu primeiro trabalho na Índia mostrou a necessidade de viagens adicionais para lá, me ocorreu que eu poderia fazer essas viagens reduzindo o tempo que dedicava, na época, à prática clínica. Chester Carlson tornou isso possível com doações anuais para a Universidade de Virgínia. Em 1964, ele fez uma doação particularmente grande que se tornou como um “depósito” para uma cadeira doada da qual eu fui o primeiro titular. Esta foi, inicialmente, uma das primeiras dessas cadeiras na Universidade da Virgínia. Os fundos da cadeira doada me deram tempo para mais pesquisas, mas as despesas de viagens para investigar os casos ainda precisavam de doações anuais, o que Chester Carlson também providenciou. Como um doador de fundos para pesquisa, Chester Carlson era incomum, talvez único. Ele insistia em fazer doações anonimamente, mas outros doadores também fizeram isso. A maioria dos doadores, entretanto, permaneceu destacada depois dos detalhes da pesquisa que eles apoiaram. Chester Carlson, ao contrário, acompanhava os detalhes da pesquisa – ao menos das que eu fazia – com grande interesse. Ele disse que gostaria de observar algumas de minhas entrevistas e me acompanhou a uma de minhas viagens de campo para o Alasca, onde eu estava estudando casos entre as pessoas de Tlingit. Ele às vezes fazia perguntas, mas nunca de modo impróprio ou ofensivo. Ele raramente fazia sugestões, mas o que ele dizia sempre merecia atenção. Minha amizade com ele encontra-se entre as mais agradáveis e também, devo dizer, as mais importantes de minhas lembranças. O relatório de meu primeiro estudo na Ásia estava no prelo quando, inesperadamente, um homem que tinha me ajudado com alguns casos foi acusado de trapaça. Embora a alegação se aplicasse a experiências com as quais eu não tinha relação, a suspeita se abateu sobre o trabalho que o acusado tinha feito para mim, e o editor interrompeu a impressão de meu relatório. Eu tinha tido outros intérpretes, além do acusado de enganar, e, acreditando que o homem não tinha trapaceado ao trabalhar comigo, propus voltar à Índia e estudar os casos novamente. Entretanto, isso exigiria grande despesa adicional e eu pedi um conselho a Chester Carlson. Ele me encorajou a voltar à Índia. Eu fiz isso e, com intérpretes novos, mostrei a autenticidade dos casos. A impressão de meu relatório foi então retomada sendo publicado, como se esperava, como “Vinte casos sugestivos de reencarnação” (Stevenson 1966/1974a). Durante os oito anos do apoio de Chester Carlson à minha pesquisa (1961-1968), eu ainda não estava exclusivamente comprometido com o estudo de fenômenos paranormais. Minha bibliografia demonstra que meu interesse em psiquiatria e medicina psicossomática não tinha diminuído. Eu tive e ainda tenho um interesse profundo na questão de por que uma pessoa desenvolve um tipo de doença em vez de outro. Artigos sobre esse assunto podiam ser publicados em revistas convencionais, enquanto estudos sobre fenômenos paranormais não podiam. Em 1960, eu publiquei um livro sobre a técnica de entrevista (Stevenson, 1960/1971). Alguns anos depois eu publiquei outro livro, realmente um livro de ensino, sobre exames psiquiátricos (Stevenson, 1969). Nesse período, eu ampliei meus estudos de fenômenos paranormais para além da pesquisa de crianças que afirmavam se lembrar de vidas passadas. Por exemplo, eu investiguei e publiquei documentos sobre aparições, premonição, mediunidade e “fotografias psíquicas”. Em 1970, eu publiquei meu primeiro livro sobre fenômenos paranormais, o que eu chamei de “Impressões telepáticas” (Stevenson, 1970) (isso deu a Dra. Louisa Rhine, que resenhou o livro, uma oportunidade para depreciar o estudo de casos espontâneos mais publicamente). Minha realização mais importante desse período, porém, foi a publicação mencionada de 1966 de meu livro “Vinte casos sugestivos de reencarnação” (Stevenson, 1966/1974a). Ele apresentava relatos dos casos com abundantes detalhes sobre os informantes de cada caso e o que eles tinham dito sobre os sujeitos que afirmavam ter vivido vidas passadas. Em 1968, Chester Carlson faleceu. Eu fui uma das muitas pessoas que lamentou sua morte como uma perda pessoal. A amizade dele e de sua esposa, Dorris, havia enriquecido muito a minha vida. Para mim, porém, a morte dele significou também o fim dos subsídios anuais para minha pesquisa. Eu me lembro de pensar que eu teria de voltar a outra metade de minha carreira, a de pesquisa convencional em psiquiatria e medicina psicossomática. Então, para a grande surpresa de muitas pessoas, e não menos a minha, descobrimos que Chester Carlson havia doado para a Universidade de Virgínia um milhão de dólares para minha pesquisa sobre fenômenos paranormais. Não surpreendentemente, isso provocou uma controvérsia entre os administradores universitários. Descobri depois que alguns adversários de minha pesquisa tinham dito que eu poderia levar os milhões de dólares comigo desde que deixasse a Universidade (ninguém disse isso diretamente a mim). O presidente da Universidade (Edgar Shannon), não muito tempo antes, declarara em público uma freqüentemente citada frase de Thomas Jefferson, escrita em 1820, durante o processo de fundação da universidade: “Esta instituição”, Jefferson escreveu, “estará baseada no desejo de liberdade ilimitável da mente humana. Não temos nenhum medo de seguir a verdade onde quer que ela possa nos conduzir, nem toleramos qualquer erro na medida em que a razão será deixada livre para combatê-lo” (Lipscomb e Bergh, 1903, p. 303). Nem sequer os oponentes mais obstinados de minha pesquisa ousaram agir contra o preceito de Jefferson. Meus partidários prevaleceram então e a Universidade aceitou o legado de Chester Carlson. Para isso eu devo muito ao presidente Edgar Shannon e também a Thomas Hunter, então chanceler de negócios médicos. Até mesmo antes do falecimento de Chester Carlson eu já havia decidido que queria dedicar tempo integral para a pesquisa dos fenômenos paranormais, particularmente esses que sugerem vida após a morte. Em 1967, tinha me demitido do cargo de presidente do Departamento de Psiquiatria depois de negociar o estabelecimento de uma Divisão pequena dentro do Departamento. Eu não desejava a palavra “parapsicologia” no título da nova Divisão, porque pensei que isso insinuaria, e até mesmo facilitaria, uma separação entre a psiquiatria e a medicina. Porém, isso era exatamente o que meu sucessor como presidente parecia desejar, uma distância isolante entre nossa pesquisa e a respeitabilidade (depois, com uma administração mais amigável, eu obtive prontamente autorização para mudar o nome da Divisão ao que eu tinha desejado anteriormente: Divisão de Estudos de Personalidade).

Durante os anos 1960 e durante a maior parte dos anos 1970, eu havia trabalhado sozinho na Universidade de Virgínia. Quando estive na Ásia, encontrei alguns intérpretes excelentes que me ajudaram, mas todos eles tinham ocupações regulares às quais voltavam assim que eu partia. Nós precisávamos de mais continuidade. As doações de Chester Carlson e alguns fundos de outros doadores tornaram possível a contratação de um assistente de pesquisa, bem como o financiamento de outros pesquisadores.

O primeiro dos outros investigadores era Gaither Pratt. Ele tinha sido por muitos anos um íntimo colaborador de J. B. Rhine, mas quando este se aposentou da Universidade de Duke e estabeleceu uma fundação privada (para qual ele levou os fundos então mantidos pelo laboratório dele), Pratt não teve qualquer lugar na fundação. Nesse momento (1964), Chester Carlson ofereceu-se a ajudar Pratt se nós pudéssemos achar um lugar para ele na Universidade de Virgínia. Eu dei boas-vindas a esta proposta, mas tive de usar toda minha habilidade diplomática para persuadir o diretor da Escola Médica a concordar comigo. Com alguma relutância ele aceitou, ressaltando que “Isto é algo que nós não podemos manter em segredo”.

Durante cinco anos depois da morte de Chester Carlson, Dorris Carlson ofereceu para a Divisão doa­ções anuais. Isso nos permitiu continuar apoiando Gaither Pratt e dois outros parapsicólogos capazes, Rex Stanford e John Palmer. As publicações desses três pesquisadores, na época e depois, escreveram um capítulo importante na história da parapsicologia. Quando, em 1973, Dorris Carlson retirou seu apoio, fui obrigado a encorajar meus colegas a procurar outras posições.

Depois, nossa sorte mudou, e de algum modo pude dispor de meus colegas novamente. Bruce Greyson, Satwant Pasricha, Emily Kelly e Antonia Mills vieram a mim e, de alguma maneira, deixaram de ser meus assistentes para se tornarem pesquisadores independentes. Mais recentemente, Jim Tucker se juntou ao nosso grupo e já se mostrou um profícuo investigador e um autor altamente competente. Aqui devo mencionar Erlendur Haraldsson da Universidade de Islândia e Jürgen Keil da Universidade de Tasmânia. Eles mantiveram suas posições acadêmicas locais, mas receberam apoio financeiro de nossa Divisão, que os permitiu trabalhar independentemente e colaborar comigo em alguns projetos em comum. Walker Cowen, fundador e diretor da Imprensa da Universidade da Virgínia (University of Virginia Press) (para usar seu nome atual), tornou-se meu editor de 1970 até sua morte em 1987. Ele me permitiu publicar um significativo número de relatos de casos, os quais, sem a sua ajuda, ainda estariam datilografados em minhas estantes. Ele reconheceu que meus livros “são para o futuro”. Infelizmente, ele morreu antes do futuro que ele esperava ter chegado, e seu sucessor tinha uma opinião diferente do que o futuro deveria ser. Tive de encontrar um novo editor; mas a sorte me favoreceu novamente e me conduziu primeiramente a Praeger Scientific Publishers e, então, a Robbie Franklin da McFarland & Company.

Alguns de meus livros posteriores foram resenhados em revistas científicas em geral, mas a maioria não. Ao longo do tempo, eu aprendi muito sobre o poder dos editores de resenhas de livros, bem como dos editores também. Por exemplo, em 2000 eu enviei uma resenha de um artigo sobre crianças que afirmavam se lembrar de vidas passadas a David Horrobin, o editor de “Medical Hypotheses”. Ele tinha fundado essa revista para promover a publicação de idéias heterodoxas e a pesquisa de tópicos não convencionais. Ele tinha pareceristas e enviou meu artigo a vários deles. Então ele me escreveu dizendo que não encontrou ninguém que tivesse levado meu trabalho a sério, mas que iria publicá-lo de qualquer maneira, o que ele fez (Stevenson, 2000).

Eu acredito ser mais conhecido por meus estudos sobre crianças que afirmam se lembrar de vidas passadas. Não posso contestar isso, mas espero que outros pesquisadores continuem algumas das outras aproximações às evidências de vida depois de morte que explorei. Aqui eu estou pensando em casos de xenoglossia responsiva (idioma não aprendido) sobre os quais eu publiquei dois livros (Stevenson, 1974b, 1984) e o teste da combinação de fechadura (combination lock test) (Stevenson, 1968). Felizmente, meus sucessores não se limitaram às minhas idéias. Os estudos, em andamento, de Emily Kelly sobre mediunidade demonstram sua independência.

Em 1980, eu conheci ainda outro homem que influenciou decisivamente minha vida. Um colega na Universidade de Virgínia me apresentou a Peter Sturrock, que explicou sua idéia do que se tornou a “Sociedade para exploração científica” (Society for scientific exploration). Ele me convidou a me unir ao comitê de fundação, e eu o fiz entusiasticamente. As reuniões da Sociedade e sua revista (Journal of Scientific Exploration) proporcionavam um foro no qual a pesquisa sobre fenômenos paranormais podia ser apresentada a outros cientistas sem obstrução ou ridicularização. A Sociedade também aceitava apresentações de pesquisa sobre muitos outros fenômenos negligenciados pela maioria dos cientistas. Os fundadores da Sociedade acreditavam, e eu ainda penso que eles e os sucessores deles acreditam, que a simples existência da Sociedade desafiava outras sociedades científicas a liberalizar suas políticas para idéias e investigações não convencionais. Isso, contudo, não aconteceu.

Ainda temos que persistir. Eu penso que devemos fazer isso sem lamúrias. Estou cansado de ler lamentações sobre como Galileu, Wegener, Jenner e muitos outros cientistas tiveram suas novas idéias rejeitadas a princípio por seus contemporâneos. Não podemos esperar que todos os céticos de novas idéias se rendam como um todo, desmoronando simultaneamente como as muralhas de Jericó. Cada um de nós tem de lutar pelas nossas próprias novas idéias. Nós somos abençoados por poder ao menos expor essas idéias a alguns outros cientistas por intermédio das oportunidades oferecidas pela “Society for Scientific Exploration”.

A Society for Scientific Exploration me ofereceu as primeiras oportunidades para relatar adequadamente duas de minhas investigações mais significativas. Eu me refiro primeiramente às marcas de nascença e defeitos de nascimento que freqüentemente acontecem em crianças que se lembram de vidas passadas; e, em segundo lugar, ao que eu acredito serem resíduos importantes de comportamento incomum derivados de vidas passadas. Os informantes chamaram minha atenção para estas duas características dos casos, já em minha primeira viagem para a Ásia em 1961, e hoje sinto uma fonte de pesar não ter publicado detalhes completos das marcas de nascença e defeitos de nascimento antes de 1997 (Stevenson, 1997a, 1997b).

Alguns leitores de minhas publicações podem considerar minha monografia “Reencarnação e Biologia” como meu Meisterwerk. Com respeito meramente ao tamanho (dois volumes, 2.268 páginas) ninguém discordaria. Porém, eu espero que o trabalho seja mais que uma compilação. Ele inclui relatos de casos e detalhes adicionais sobre casos que eu previamente não havia publicado. O capítulo sobre gêmeos (um ou ambos que afirmam se lembrar de uma vida passada) pode ser um dos mais importantes de todas as minhas publicações.

Chamei a atenção repetidamente à importância dos resíduos de comportamento de vidas passadas como um terceiro componente para o desenvolvimento de personalidade humana, sendo os outros dois os genes e o ambiente depois de concepção (Stevenson, 1977, 2000). Em um artigo recentemente publicado (com Jürgen Keil), eu recorri a essa característica importante que é bem exemplificada nos casos das crianças de Myanmar que se lembram de vidas anteriores como soldados japoneses mortos durante a Segunda Guerra Mundial (Stevenson e Keil, 2005).

Com freqüência, nós não conseguimos identificar aspectos importantes de eventos tal como quando eles aconteceram. Meu segundo matrimônio fornece um significativo exemplo disso. Em 1985, me casei com Margaret Pertzoff que era então professora de história na Randolph-Macon Woman’s College. Ela era, e permanece sendo, uma cética declarada de fenômenos paranormais. Ela não escondeu sua posição sobre o assunto, mas nunca permitiu que isso interferisse na felicidade que me trouxe com nosso matrimônio. Os silêncios benevolentes dela às vezes proporcionam um valioso exame sobre o que, caso contrário, poderia ter se tornado entusiasmo não comprovado de minha parte.

Nos anos de 1997 e 1998, me envolvi em um pro­jeto que parecia imprudente, mas que também tinha a possibilidade de tornar minha pesquisa mais conhecida ao público em geral. Eu aceitei que um escritor me acompanhasse em viagens de campo à Ásia. Ele “olhava sobre meus ombros” enquanto eu fazia minhas entrevistas para os casos. Ele pagaria suas próprias despesas e depois estaria livre para escrever sobre suas experiências sem censura de minha parte. Funcionou bem. O escritor era Tom Shroder, que é agora editor sênior do Washington Post. Tom era um viajante sociá­vel e suportou bem a aspereza freqüente de viagens ao Líbano e à Índia. O livro que ele escreveu foi intitulado “Almas antigas: a evidência científica de vidas passadas” (Shroder, 1999). Parece justo para mim e, mais importante, justo para as crianças que dizem se lembrar de vidas anteriores. O livro realmente tornou mais conhecidos os casos dessas crianças.

Minhas viagens físicas terminaram agora, pelo menos por esta vida. No entanto, não considero o tempo que dediquei à psiquiatria e à medicina psicossomática como tempo perdido. Pelo contrário, penso que ele me possibilitou uma preparação útil para tudo o que realizei depois no estudo de fenômenos paranormais.

Todos nós morremos de algum tipo de sofrimento. O que determina a natureza desse sofrimento? Eu acredito que a busca da resposta pode nos levar a pensar que a natureza de nossas doenças pode derivar, pelo menos em parte, de vidas passadas. Os casos de crianças que afirmam se lembrar de vidas passadas e que têm relatado marcas de nascença e defeitos congênitos sugerem isso; algumas dessas crianças relatam doenças clínicas. Minha própria condição física, defeitos em meus brônquios (desde a tenra infância), sobre a qual eu escrevi separadamente (Stevenson, 1952a, 1952b), forneceu-me um interesse pessoal sobre essa pergunta importante. Não deixem ninguém pensar que eu sei a resposta. Eu ainda a estou buscando.


Agradecimentos

Gostaria de agradecer primeiramente ao professor Henry Bauer por ter sugerido que eu escrevesse este artigo. Também devo agradecer a Emily W. Kelly, Jim Tucker e Patricia Estes pelos úteis comentários sobre os rascunhos deste artigo.


Referências

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Revista de Psiquiatria Clínica
Órgão Oficial do Departamento e Instituto de Psiquiatria Faculdade de Medicina
Universidade de São Paulo