terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A Ayahuasca e seu poder curativo


Ayahuasca and Cancer: One Man's Experience
by Dr. Topping

Tradução: Roberto Freitas Gromel

Depois de ser diagnosticado com câncer no fígado, o autor recebeu a notícia de oncologistas que possuía pequenas chances de sobrevivência. Para uma segunda opinião, procurou a ayahuasca.

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Há um ano eu nunca imaginaria que estaria escrevendo sobre dois assuntos que geralmente são considerados um tabu. Um deles trata sobre o câncer. Evitamos falar sobre o câncer - o grande "C" - pois trata sobre o medo da mortalidade e o da dor. Quando ouvem-se rumores que um colega de trabalho tem câncer, este passa a ser tratado de uma maneira diferente. Nós evitamos o assunto, ou cochichamos sobre isso, fazemos o possível para não comentar.

Por diversas razões o assunto ayahuasca é abafado. O Depto. de Administração de Narcóticos - o grande juiz sobre as drogas nos EUA - é responsável por esse tabu, tendo classificado o DMT, um dos constituintes da ayahuasca, como uma droga proibida (nível ´Schedule I´). Lhe atribuiu ilegalidade, inviabilizando a pesquisa médica, psicológica, neurocientífica e espiritual. Assim como o câncer, nós cochichamos sobre a ayahuasca.

Como passei recentemente a usufruir dos privilégios da aposentadoria, e como amigo do câncer e ayahuasca, tenho a oportunidade de falar livremente sobre ambos. Uso a palavra ´amigo´ pois assim é a forma como me relaciono com ambos.

Minha ligação com o câncer se deu no meu nascimento a 68 anos atrás, aferindo minha entrada no mundo, a uma estrutura genética determinada, ao menos em parte, por gerações passadas de familiares paternos e maternos que morreram de câncer metástico colo-retal. Se existe qualquer validade na teoria de predileção genética, estatisticamente minhas células possuíam disposição para a formação de tumores.

Diagnóstico

E isso foi precisamente o que aconteceu comigo a 10 anos atrás, quando fui diagnosticado com câncer no colon. Já conformado, não tive dúvidas da acuracidade do diagnóstico, vindo então a pedir a um patologista uma biópsia. Ao ver no microscópio, tive então certeza, vendo com meus próprios olhos as pequenas células, todas juntas parecendo bolhas de lama vermelha. Pensava comigo mesmo: como será que aconteceu?

Imediatamente me foi recomendada a cirurgia. Porém, implorei para experimentar um tratamento alternativo, ou natural. Junto ao cirurgião concordei em seguir um cronograma de 4 meses qual de regime naturopático: micro-doses de várias substâncias, dieta vegetariana, mentalização, muito descanso e exercícios. Passado esse período, uma segunda biópsia revelou que não havia câncer. Fiquei estupefato; o cirurgião pareceu desapontado, e pediu por outra biópsia dentro de 2 semanas, qual concordei.

Desta vez pegamos prate do tecido contendo células cancerígenas, convencendo-me que deveria operar. Feita a cirurgia, 5 anos depois me disseram que fui curado pelas ´maravilhas da cirurgia´.

Relapso

Tudo ocorreu bem até setembro de 1996, quando um exame físico rotineiro revelou que meus níveis de CEA (um indicador de atividade carcinogênica) estavam altos. Posteriormente outro exame sangüíneo mostrou que os níveis de CEA subiam rapidamente. Outros exames foram feitos, onde localizou-se duas sombras suspeitas no meu fígado. Uma biópsia do tecido escurecido deu o veredicto do patologista: o grande ´C´.

Tendo perdido um avô e um pai devido ao câncer de fígado metástico, estava seriamente preocupado com essa nova aparição. O que fazer ? Uma conferência preliminar com um dos oncologistas confirmou a possibilidade cirúrgica, contanto que não houvesse nenhum tumor nos meus órgãos vitais ou glândulas linfáticas. Em termos: mais exames.

Prognóstico

Enquanto aguardava os resultados, fui a livraria médica da Universidade do Havaí pesquisar sobre câncer no fígado. Indicaram-me a ´bíblia´ da oncologia, dois volumes chamados: Práticas e Princípios da Oncologia (1989), editado por Jr. Vincent T. DeVita. Abri na sessão 3: "Tratamento do cancêr de fígado metástico", por John E. Niederhuber and William D. Ensminger, que relata as seguintes palavras encorajadoras:

"A disseminação e crescimento de células malignas de um tumor primário para o fígado significa um prognóstico negativo para o paciente. Sendo esses tumores no fígado a primeira evidência da progressão cancerígena, geralmente, e especialmente no caso do câncer colo-retal, onde são os únicos tumores detectáveis, são o indício de disseminação do tipo maligna. Apesar das melhoras em detecção de câncer no fígado metástico, o desenvolvimento de novas drogas, técnicas cirúrgicas para ressecação, e inovadoras terapias especializadas, a maioria dos pacientes não sobrevive." (p.2201)

A moral desse capítulo serve para sustentar um prognóstico infeliz. Em outras palavras, o futuro parecia bem severo. Até que, sendo assim, comecei a buscar informações de terapias alternativas.

Procurando alternativas

Primeiramente consultei Dr. Andrew Weil, que prescreveu o seguinte: 1) remoção cirúrgica do tumor, se possível; 2) começar a tomar micro-doses de extrato de cogumelo maitake; 3) ler Alternativa em Cura de Michael Lerner.

Enquanto aguardava pelo correio o maitake e o livro de Lerner, realizei outras consultas com cirurgiões, destas quais certamente não foram muito positivas. Um deles me disse que minhas chances de sobrevivência eram de 25% a 30%. Já outro, disse que era menor que 15%, contando com o fator de risco do procedimento cirúrgico em si. Parecia que também haviam lido a bíblia do câncer de De Vito. Eles também me alertaram que sendo possível a cirurgia, deveria ser precedida de um ano de quimioterapia intensa com a finalidade de matar qualquer resquício de células cancerígenas (incluindo a maioria das saudáveis), quais indubitavelmente circulavam na corrente sangüínea.

Assim que o livro de Lerner chegou pelo correio, sentei-me e comecei a ler suas fascinantes 621 páginas com voracidade. No período, comecei a tomar o extrato de cogumelo maitake, preparando-me mentalmente e fisicamente para a cirurgia e o tratamento. Durante esse período descobri outros relatos sobre terapias alternativas, incluindo Essiac, dietas macrobióticas, Reiki e injeções de café, alternativas que ofereciam mais esperança que a bíblia oncologista.

Cirurgia

O cirurgião removeu o lado direito do meu fígado em 26 de novembro de 1996. Durante os 5 dias seguintes, estive conectado a vários catéteres, um dos quais administrava morfina diretamente na minha coluna. Só depois que tive alta e sai do hospital percebi quão maltratado foi meu corpo pelo bisturi e pela mistura de drogas que facilitam a cirurgia. Imaginar mais agressões advindas da quimioterapia era assustador.

Às vezes, durante esse período de dolorosa recuperação, lembro-me ter lido algo em algum lugar sobre as propriedades curativas da ayahuasca. Não dei muita atenção desde que seria improvável visitar a Amazônia, além do mais não tinha interesse na experiência psicodélica. Ainda assim, algo estalava no meu pensamento, o qual continuava a se queixar das seqüelas físicas e psicológicas deixadas pela cirurgia cujo resultado final ainda era suspeito.

Três semanas após a cirurgia, fiz uma consulta a um oncologista qual recomendou o início imediato do tratamento quimioterápico. Quando dei-lhe a notícia que não o faria, pois desacreditava que uma outra intervenção em meu corpo seria benéfica, o doutor mostrou-se zangado, como se tivesse sido insultado. Assim que lhe contei meu plano de seguir terapias alternativas, ele caçoou, porém me desejou boa sorte.

Santo Daime

No começo de abril ouvi falar de um grupo que fazia uso de ayahuasca na Grande Ilha do Havaí. Comecei então uma pesquisa que me levou a um jovem que esteve com esse grupo em várias sessões, ou ´trabalhos´, palavra que é usada pela igreja do Santo Daime do Brasil. Me encontrei com ele em minha casa onde passamos a tarde conversando ininterruptamente por três horas sobre o sacramento e suas propriedades de cura psíquica e física. Fiquei boquiaberto enquanto escutava, concluindo que deveria passar por essa experiência, assim vendo com meus próprios olhos os relatos que li e ouvi eram verdadeiros. Seria então uma experiência curativa ou apenas uma experiência psicodélica?

Algumas semanas depois soube que seriam feitos alguns ´trabalhos´ na Grande Ilha, e que poderia participar do grupo. Aceitei imediatamente, mesmo estando um pouco debilitado pelo pós-operatório. Esse seria então meu contato com a ayahuasca.

O grupo encontrou-se ao final da tarde numa isolada colina onde os devotos do Santo Daime haviam construído uma casa, consistindo em uma sala hexagonal com 3 ou 4 quartos colados na parte de fora (posteriormente soube que o hexágono é um importante símbolo do Santo Daime). Cerca de 60 pessoas de toda parte do Havaí reuniram-se para o evento, cuja maioria já havia participado anteriormente. Todos nos vestimos de branco (conforme pedido), e assim que chegou o momento de iniciar, todos nos sentamos em cadeiras dispostas em um semicírculo de frente para outro. Homens de um lado e mulheres do outro. Comecei a notar que estava participando de uma experiência grupal bem estruturada, ao contrário do que imaginava, baseado na limitada leitura que fiz sobre a forma tradicional de uso da ayahuasca na Amazônia. Não obstante, iniciei a experiência com esperança e apreensão. A dor residual da cirurgia era o constante lembrete do porque estava ali.

Não irei descrever sobre os rituais do Santo Daime qual participei durante as duas noites sucessivas de ´trabalho´ pois há descrições em outros lugares. Em vez disso, focarei na minha própria experiência, qual me acabou me mostrando que eu estava despreparado. Minha única referência eram as limitadas experiências tidas com LSD, cogumelos e mescalina durante os anos 60 sem nenhum intuito terapêutico. Eu queria muito descobrir o que era essa tal de ayahuasca que se dizia ter a habilidade de curar e ensinar.

Primeira sessão

Após alguns rituais preliminares da igreja, assim que o sol desceu, fizemos uma fila para tomar nosso primeiro copo do chá. Passados 20 minutos comecei a sentir um tênue efeito de ondulatório percorrendo todo meu corpo. Conforme olhava ao redor da sala, percebi que outras pessoas faziam o mesmo, balançando-se nas suas cadeiras e procurando cantar os ícaros em português. Nesse momento me questionei se havia tomado a decisão correta.

Repentinamente o chá começou a fazer efeito em mim, transportando-me para uma longa viagem em outra realidade, qual não estava preparado. Quando tento descrever a experiência de ayahuasca para outros que conhecem algo de psicodélicos, lhes digo que coisas como o LSD e os cogumelos distorcem e dão novas formas a realidade a que um está acostumado; ayahuasca o leva para outra realidade que você nunca viu ou imagina.

Ao fechar meus olhos, formavam-se imagens (se é que pode-se usar essa palavra) disparadamente e numa velocidade crescente. Redemoinhos de cores, figuras, formatos, texturas e sons esmagaram-me ao ponto de me deixar petrificado. Como muitos anteriormente, com razão, fiquei um tanto assustado. Porque havia feito isso? Quando abri os olhos novamente, os espectros de formas desapareceram, podendo assim me ver na sala com as outras pessoas todas vestidas de branco, cuja maioria mexia seus lábios no ritmo das canções cantadas pelos brasileiros do Santo Daime. Fechei meus olhos novamente, retornando imediatamente as imagens numa intensidade crescente. Pareciam que elas estavam tentando entrar nos cantos profundos do meu corpo e alma. Pensei comigo mesmo: ´Ei, isto não é tão legal´.

Durante esse período inicial de confusão, pude novamente me concentrar no propósito que me levou a estar ali: era um homem condenado. Os oncologistas e sua Bíblia me disseram que minhas chances de sobrevivência eram pequenas. Vim tomar ayahuasca para ter uma segunda opinião. A partir dai relaxei deixando o chá fazer o seu dever. Passei então a ter uma vaga idéia do incrível e fantástico mundo da ayahuasca. Não havia como retroceder agora. Não havia o que fazer além de relaxar.

Visões do Ayahuasca

Assim como outros relataram, vi plantas, serpentes, animais parecidos com pássaros e jaguares, planando, rodopiando e contorcendo-se pelo meu corpo quase que na velocidade da luz, como se estivessem explorando seu novo habitat. Após um tempo, umas dessas figuras parecia correr, aproximando-se, pausando momentaneamente, então desaparecendo, como se tivesse algum compromisso em outro lugar. Então outra figura se aproximava e fazia a mesma coisa. Não havia tempo para comunicar-me com essas coisas. Era como se eles estivessem tentanto fazer uma pesquisa completa de quem eu era e o que estava acontecendo dentro de mim antes de poder se comunicar.

Depois de um tempo (a noção de tempo enfraquece com a ayahuasca) as figuras começaram a diminuir e desaparecer com intensidade. Estava retornando, um pouco contra minha vontade. Entretanto minhas dúvidas, sejam quais fossem, ainda não tinham sido respondidas. Nesse momento, o líder do Daime me deu o sinal para tomar a segunda dose do chá. Entrei na fila. Entre o grupo de sessenta pessoas muitas já estavam vomitando; no caso, eu não era uma delas.

Assim que veio a segunda onda, me senti muito mais relaxado e preparado para comunicar-me com os animais se é que eles queriam falar comigo. Não obstante dada a deixa, as velozes figuras paravam, olhavam, sorriam antes de precipitadamente voltar novamente para seu mundo. Foi quando de repente vi um buraco negro. Nada além de escuridão, que parecia ficar imóvel por alguns minutos. Todos as luzes, cores e formas desapareceram mediante a escuridão se alastrava em mim. Me pareceu que era a morte se manifestando. Parecia que ela dizia: " Sim, eu também estou aqui, como parte do sistema; mas não sou tão ruim assim, portanto não há o que temer." Depois de um tempo, a escuridão começou a desaparecer lentamente assim que o frenesi caleidoscópico retornava, cessando mediante a diminuição do efeito do chá assim como das minhas energias. Retornei então para a casa de meu amigo para um profundo e longo descanso.

Segunda Sessão

O grupo de sessenta pessoas novamente se reuniu na tarde seguinte para o segundo ´trabalho´. Meu nervosismo era bem menor. Esperava novas revelações advindas do chá. Para minha decepção, não foi o que aconteceu, provavelmente devido a que, o chá já não tinha mais o que me mostrar. Não obstante, durante a segunda experiência, pude novamente sentir a presença do chá manifestar-se por todo meu corpo, espiando e cutucando todo canto e esconderijo qual devesse trabalhar, para endireitar, pondo de volta na ordem e polindo. Existia de fato algo com as cores, formas e sons que me eram familiares. Porém ao contrário da primeira vez não surgiu nenhuma mensagem que poderia interpretar. O chá estava apenas fazendo seu dever.

Diversos meses se passaram antes de minha seguinte experiência com ayahuasca. Nesse meio tempo continuei minha dieta vegetariana e o uso de ervas chinesas. Gradualmente ganhei peso e força, enquanto isso as cicatrizes e as moléstias da cirurgia lentamente desapareciam. Queria novamente tomar o chá para ver se tinha mais alguma coisa para me dizer e ter certeza se a minha primeira experiência foi apenas delusiva.

Terceira Sessão

Com muita sorte, acabei conhecendo uma pessoa que estudou a ayahuasca no Peru junto a xamãs. Assim que lhe contei o que procurava, ele concordou em me guiar junto a outras 4 pessoas numa sessão. Desta vez o ambiente era completamente diferente do Santo Daime. Após um banho no oceano azul, nos dirigimos até o final de uma estrada na montanha, onde deixamos o carro, e andamos até um ponto isolado num pequeno planalto nas montanhas Wai'anae de Oáhu, estas cobertas por exuberante vegetação, e com uma vista panorâmica do oceano Pacífico. O nome do lugar é Montanhas de Pupukea. O ambiente em si era um convite para a manifestação dos espíritos. Nosso grupo era pequeno, sendo que todos nós já tínhamos aprendido a respeitar o chá e seus poderes. Possuíamos portanto algo em comum.

Chegamos a tempo no lugar, e nos acomodamos antes da noite escurecer sem o luar. A luz de velas praticamos exercícios de respiração profunda e harmonização, preparando-nos para tomar o chá. Num estilo cerimonial, qual incluía soprar a fumaça do tabaco sobre o chá, um de cada vez, tomou a sua dose. Logo após, nosso líder apagou as velas, nos advertindo para "não esquecer-se que o chá sabe o que esta fazendo". O isolamento junto ao silêncio e a escuridão eram fascinantes.

Me posicionei confortavelmente no chão, com minhas costas apoiadas num tronco de uma grande árvore. Me sentia muito relaxado e confortável, fechei meus olhos na espera que a planta trabalhasse. Novamente, após 15 minutos comecei a sentir o familiar efeito de redemoinho. Porém desta vez esse redemoinho tranformou-se numa surpreendente turbulência. O chá estava solto, em uma rapidez selvagem explorando seu novo ambiente. Parecia que um animal selvagem havia sido solto dentro de mim e estava se divertindo como se o nunca houvesse feito.

As imagens e formas começaram a aparecer, tinham um ar de alegria e exuberância. As serpentes sorriam, os jaguares rindo, e pássaros gigantes faziam rasantes sobre mim me acariciando com suas asas estendidas. Um desfile de pessoas, familiares e estranhas, iam e vinham, cada uma com um sorriso, procurando me tocar e dizer através do olhar o quanto me amavam. Enquanto as serpentes e plantas se retorciam e apareciam na minha frente, parecendo ter um sorriso, asseguravam-me que, tinham olhado em todo lugar do meu corpo, e que tudo estava certo. Enquanto a noite passava, esse ciclo se repetia. Imagens apareciam na minha frente na velocidade da luz, alegres e sorridentes, desaparecendo como turistas guinando para uma viagem por todo meu sistema. Me deparei regozijando sob o céu.

Aonde estava a escuridão que havia experimentado antes? Aonde estaria a Sra. Morte, que havia visto anteriormente? Então de repente, como se a planta tivesse escutado minha pergunta pude ver aquele buraco negro. Só que desta vez o fundo estava mais claro. Parecia destacar-se da composição de formas e cores vibrantes, como se quisesse dizer: "Ainda estou aqui, não se preocupe. Ainda não chegou sua hora.", então vindo a desaparecer. Enquanto a tarde se tornava numa noite clara, as imagens diminuíam sua intensidade, gradualmente desaparecendo, quase que relutantemente. Com certeza passamos bons momentos nessa noite.

Quarta Sessão

Um mês depois dessa memorável noite, revisitei as Montanhas de Highlands numa outra sessão, porém dessa vez com 6 pessoas diferentes. Estava preparado para um repeteco da experiência anterior, que o chá me tranqüiliza-se e fizesse sua empolgante exploração. Porém não foi isso o que aconteceu.

Dessa vez estava chovendo, o que restringiu nossa mobilidade a uma tenda montada. Conforme anteriormente, fizemos os mesmos procedimentos, respiração, vocalização, bebendo o chá cerimonialmente. Deitei e esperei os efeitos começarem, os quais vieram gradualmente não chegando a intensidade da experiência anterior. As imagens foram de: pássaros, serpentes, plantas e pessoas, porém com menor intensidade, quase apagadas. Pareciam me dizer: "Nós já passamos por aqui, te contamos o que encontramos. Vamos tentar algo novo". Como tinha expectativas dessa experiência, o chá parece que reagiu como se tivesse sido limitado. Notei que foi minha culpa em não confiar e deixar o chá me guiar.

Se a ayahuasca pudesse usar as palavras, na minha primeira experiência em Pupukea, teria me dito: " Pegue essa energia que estou te dando e a leve com você. Segure-se a um dos animais e vá para o passeio. Não há nada lhe segurando, evitando que se eleve a novas alturas da consciência e da vida.". É essa a mensagem que recebi essa noite nas montanhas de Pupukea.

Retorno ao médico

Aproximadamente 2 semanas depois dessa experiência, fui à consulta agendada com o oncologista. Ele me recebeu calorosamente, contando-me que os resultados do exame de sangue que tinha feito uma semana atrás, quais mostram os níveis do CEA, não estava num nível normal, porém, abaixo do normal! Quando ele me perguntou o que eu havia feito para conseguir esse resultado, lhe perguntei se já tinha ouvido falar da ayahuasca. Claro que sua resposta seria a esperada, vindo de um médico formado na medicina alopática ocidental. Acabei lhe contando que é uma planta medicinal há séculos usada por xamãs da Amazônia e curandeiros. Ele levantou as sombrancelhas, encolheu os ombros, sem dúvida pensando consigo: " De que planeta veio esse louco?". Terminada a consulta ele disse: "Você é um dos poucos sortudos".

Sorte? Possivelmente. Porém atribuir minha recuperação improvável a uma questão de sorte é ignorar séculos de experiência de pessoas que aprenderam a viver com plantas e a entendê-las quando tem algo a dizer. Sobre minha experiência, aprendi a respeitar e a compreender a ayahuasca, assim como os que tem conhecimento sobre seu universo. Ganhando maior experiência, espero também poder aprender sobre seu conhecimento. Continuarei a tratar meu corpo e meu espírito com ayahuasca, além de ensinar outras pessoas a respeitá-la. Na posição de professor, creio que terei facilidade nessa tarefa. No meu atual papel de reformador político sobre narcóticos, farei tudo o que posso para livrar essa planta das restrições que a DEA caprichosamente e arrogantemente colocou nela. Espero que as pessoas que lerem este artigo se juntem a mim neste objetivo.

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A Postscript, by Dr. Topping

Tradução: Grace M. P. Barra

Após a publicação do meu artigo Ayahuasca e Câncer: A Experiência de um Homem na MAPS Bulletin, recebi várias cartas, e-mails e telefonemas de pessoas interessadas, algumas com câncer e outras saudáveis, mas curiosas. Este retorno me deixou surpreso e me levou a pensamentos mais introspectivos sobre o que acredito estar acontecendo comigo e o papel da ayahuasca.

Antes de compartilhar esses pensamentos com os leitores da MAPS Bulletin, preciso deixar muito claro que não estou propondo a ayahuasca como uma cura milagrosa para o câncer ou qualquer outra doença. Estou simplesmente relatando a minha própria história e o que estava acontecendo comigo. Neste momento de nossa experiência e conhecimento, é melhor minha história ser levada como uma breve passagem que aumenta o folclore a respeito do vinho.

Primeiramente, permita-me dizer ainda que sou saudável e que a metástase do câncer parece estar em completa remissão. O diagnóstico original foi em Setembro de 1996. Como já estou próximo dos meus 70 anos, posso dizer que nunca me senti tão bem, a não ser as dores articulares aqui e ali, lembretes dos meus dias difíceis e turbulentos. As pessoas comentam com freqüência o quanto pareço saudável eu me olho e me pergunto o que estou fazendo para parecer assim?

Para algumas dessas pessoas explico que mudei minha dieta (vegetariana), faço exercícios regularmente, e tenho tudo, mas parei de beber bebidas alcoólicas e cafeinadas e isso parece satisfazê-los. Para outras acho que conseguem compreender, atribuo minha saúde ao vinho[1]. Presumo que a maioria dos leitores da MAPS caiu na segunda categoria, mas provavelmente gostariam de uma explicação de como ele funciona. Francamente, que me dera. Na falta de uma explicação concreta tentarei oferecer meus insights, como os oferecidos pelo vinho, além das discussões que tive com companheiros de viagem pelo mundo.

Muitas das pessoas que escrevem sobre o ayahuasca (de forma notável Mabit, Grove e Vegat [1]) falam sobre os três domínios em que o vinho parece para funcionar: psicológico, espiritual e orgânico. Minha experiência confirma esta noção, embora a distinção entre o psicológico e o espiritual não esteja claramente definida por mim como aquela entre o espiritual e o orgânico. Talvez isto seja por causa de minha única abordagem para a experiência iniciada em busca da restauração da minha saúde. Apesar de tudo, as dimensões psicológicas e espirituais desempenham um papel importante, embora sutil na minha recuperação.

Falarei brevemente sobre cada uma destas três áreas, como passei por elas durante dois anos atrás, mas concentrado no domínio orgânico. Essa não é menos importante do que as outras duas áreas, que sem dúvida desempenharam papéis importantes no meu bem-estar.

Mudanças psicológicas

A mudança psicológica mais profunda foi observada durante minha dura experiência quando encontrei a morte na forma de um vazio leve, profundo e escuro. A mensagem clara era de que a morte está sempre presente, mas não há nada a temer. Está lá com todas as outras forças e elementos da natureza, nada excepcional. A morte acontece. Ao declarar esses fatos óbvios soam banais, mas quando o vinho revela tais coisas, o impacto é mais profundo. A caminho da minha primeira sessão o pensamento de morte iminente, como tinha previsto meu médico e os dados, foi a minha maior preocupação. O vinho se encarregou do resto imediatamente.

Quanto aos outros impactos psicológicos, eu incluiria a lição na importância relativa das coisas da vida. Um exemplo vívido surgiu durante minha quarta ou quinta sessão quando eu vi uma galeria de relógios de pulso e de parede, dúzias senão centenas deles, com o ponteiro do minuto e da hora girando rapidamente em direção anti-horária. Interpretei isso como um comentário sobre minha preocupação com o tempo e o medo de perdê-lo antes de conseguir atingir os meus objetivos.

O vinho parece dizer: “Ok, se é isso que incomoda você, vamos fazer o tempo voltar”. A revelação para mim era que a noção de tempo é algo que os humanos vêem como uma mercadoria para ser medida, calculada, guardada, gasta, vendida, etc, enquanto no ayahuasca nenhuma realidade de tais coisas importa. Assim como a morte, o tempo está sempre presente. Viver intensamente cada dia significa muito mais do que uma realização.

Outros, incluindo alguns adictos em drogas, relataram impactos psicológicos que resultaram da ingestão do vinho, tais como se libertar do ego enquanto permite que a luz ilumine os cantos escuros da psique e confronte o demônio dentro de si. Alguns relataram isso como uma experiência difícil. Embora eu não tenha tido esse tipo de encontro psíquico com o ayahuasca. Não há cantos escuros nos quais demônios possam se esconder do exame do vinho.

Fatores espirituais

Os aspectos espirituais da minha experiência com o ayahuasca são ainda mais difíceis de descrever e definir. Não tendo sido um tipo espiritual desde minha desilusão adolescente com o Cristianismo, eu não tinha expectativas. Minha missão era restaurar minha saúde física que eu inocentemente acreditava existir de forma independente da espiritual. O ayahuasca me convenceu de estava errado. Como isso aconteceu?

Durante as visões induzidas pelo o ayahuasca, vi e ouvi algumas coisas surpreendentes que mudaram minhas percepções e compreensões das forças que atuavam no universo. Plantas se transformavam em animais e vice-versa. Ondas de luzes multicoloridas separadas em fitas de energia girando e serpenteando, às vezes pareciam criaturas que mudavam para plantas depois voltavam para animais, todas elas emitindo sons que posso apenas descrever como uma rápida seqüência de chilreios estridentes, um pouco parecido com os sons emitidos pelos golfinhos, mas em um tom diferente. Nas turvas sombras da floresta à noite, as plantas à volta se tornaram vigorosamente vivas, gentilmente pulsando e se movendo em direção a mim como se estivessem juntas. Enquanto não havia nada que sugerisse uma divindade singular, havia uma presença inequívoca de uma força que permeava toda a experiência, ligando o meu corpo com o meu self e com o resto a minha volta: outros em grupo, as plantas, o ar, as estrelas e o além. Uma vez tentei seguir as fitas de luz para ver o quão longe elas conduzir-me-iam à escuridão infinita. Voei alto como se cavalgasse na cauda de um cometa, até as fitas se romperem, formando arcos que mudavam repentinamente de direção que os trariam de volta ao começo do ciclo novamente. Comecei a ver isto como uma força enérgica que unificava todas as coisas, a força vital, ou espiritual, vida ou morte, passado, presente e futuro.

Entretanto, é no nível orgânico que minha experiência se tornou mais fácil de se percebida e definida por mim mesmo. Talvez porque eu tenha começado minha relação com as plantas por razões orgânicas: estava procurando a restauração da minha saúde e a proteção contra as distorções mais profundas da minha estrutura celular.

Nível orgânico

Minha visão do câncer, entretanto, não-científica, surgiu a partir da observação de minhas células cancerígenas sob um microscópio eletrônico na empresa de um patologista, acompanhado das visões observadas durante as sessões com o ayahuasca. Muito claramente, pequenos grupos das minhas células tinham todos se movidos juntos, como se tivessem amontoado para esquentar-se ou de medo. Por que elas fizeram isso, esse é o grande mistério do câncer. Pode ser descrito como um caso de desorientação celular, células que saíram da linha, não causadas por alguma bactéria externa invasiva, mas alguma coisa interna.

Igualmente não-científica é minha visão do que era preciso para corrigir esta deformidade celular e evitar a sua ocorrência. Posso apenas descrever que é preciso um realinhamento das células e uma correção do sistema de comunicação eletro-químico que os conecta através da complexa e precária compreensão da função do DNA, o sistema de comunicação fundamental para todos os organismos vivos.

Não sei explicar exatamente como cheguei a essa conclusão. Eu não tenho background em ciência, e estou apenas começado a aprender os fundamentos do sistema neurotransmissor, química pré-básica e literatura enteógena. Meu pequeno aprendizado prova ser uma coisa perigosa, como disse uma vez Alexander Pope. Apesar disso, formulei hipóteses incipientes que tentarei explicar.

O que o ayahuasca faz organicamente é restaurar a ordem e colocar todas as coisas em realinhamento. Ele poli pontas ásperas, ilumina cantos escuros, desenvolve os sentidos e o mais importante procura todos os detritos físicos (assim como os psíquicos) e purga-os. Podemos compará-lo com o ajuste do motor e a troca o óleo. Basicamente é assim que vejo a ayahuasca agindo em mim e ensinando minhas células como não sair do equilíbrio novamente.

Plantas que ensinam

A idéia de uma planta que ensina é mais antiga do que o próprio uso do ayahuasca. A maioria dos ocidentais e cientistas, sobretudo, acharam esta concepção absurda, porque ela sugere que a planta é inteligente, tem espírito e pode se comunicar. Acredito que essa concepção precisa ser levada a sério. Se, como foi sugerido por Narby [2] e outros, o DNA é o sistema de comunicação das células, então não é um contra-senso sugerir que o DNA da planta está falando com os nossos após entrar em nosso sistema eletro-químico, ensinado-os sobre o equilíbrio e alinhamento. Ao fazer isso, a planta serve para restaurar a simetria que produz a saúde e o bem-estar.

Não acredito que o ayahuasca contenha elementos químicos que destruam células cancerígenas como as quimioterapias. Não é desse modo que funciona. Preferencialmente, o ayahuasca serve para restaurar o alinhamento normal e saudável das células enquanto procura e purga as células aberrantes que ele encontra enquanto faz seu caminho ao longo do corpo. Deixe-me descrever as experiências que me levaram a esta conclusão.

Sessão de Ayahuasca

Após 10 ou 15 minutos da ingestão, comecei a sentir uma força tremulando ao longo do meu corpo, crescendo em intensidade de uma onda. Essas sensações estão acompanhadas de pontos de luz brilhando intermitentemente como a força enérgica contornando todo o meu corpo. Eles lembram-me de pequenos pontos de luz que alguém vê no consultório do optometrista quando faz o teste de visão periférica (Analisador do Campo Visual).

Assim que os minutos passam, a sensação de ondulação fica mais forte, quase como se eu tivesse desenvolvido um vibrador interno que envia ondas de energia. É como se as luzes do Norte estivessem se agitando em ondas sucessivas por todo o meu corpo.

No meu caso, este estágio de experiência continua por uma ou duas horas quase imutável antes de eu começar a ter alguma visão, que é considerado um período inicial muito longo. O que parece estar acontecendo é que o vinho está fazendo o seu efeito orgânico em mim. Está explorando todos os cantinhos do meu sistema, rastreando tudo à volta para assegurar que tudo está em ordem. Qualquer distúrbio é corrigido e todo os lixo é varrido para ser transportado por minhas vísceras recicladoras para uma eventual purgação. Para mim, talvez por eu estar procurando uma limpeza orgânica, esta fase durou mais do que para qualquer outra pessoa. Alguém como eu com câncer em metástase, poderia haver muita limpeza para fazer.

Quando as visões finalmente começaram, elas pareciam confirmar minhas sensações. Entre as primeiras coisas eu vejo tem fitas espiraladas, onduladas, autopropelidas de várias cores luminosas, de forma alternada tomando forma de serpentes e plantas. Às vezes pareciam ser apenas feixes de luz. Dentro de cada um há uma estrutura de hélice dupla preta que parece propeli-la. A semelhança a desenhos que tinha visto de DNA está me atordoando. Como se a intensidade e velocidade das visões aumentasse, os feixes parecem estar brotando das partes mais profundas do meu intestino e o mais longo alcança meus membros, subindo, voando alto, e irrompendo gotas brilhantes de luz, como um enorme arranha-céu. Aos poucos eu sinto e vejo uma massa dourada flutuante de energia, vindo de dentro de mim, culminando eu uma explosão orgásmica até o infinito. Com tais ondas de luz eu sinto a limpeza interna, como se fosse um tipo de “Roto-Rooter” cósmico.

Interpreto essas visões (entre outras) como manifestações do que a planta está fazendo no nível orgânico. Uma vez dentro de mim, a planta começa a fazer efeito, procurando os cantos escuros para iluminar e corrigir más formações, comunicando suas células com as minhas por meio de uma corrente química fornecida por nosso respectivo DNA. A grosso modo, O DNA do vinho está falando com o meu. A semelhança dessas formas visionárias para o DNA não é da minha imaginação. Eu os vi antes de ter lido Narby ou feito a conexão com o DNA, e foi descoberto por suas ocorrências repetidas e consistentes durante cada experiências do ayahuasca. Se alguém pudesse ver o DNA em ação completa provavelmente ele se pareceria muito com o que tentei descrever.

A importância da purgação

Talvez o aspecto mais importante do efeito no nível orgânico seja a purgação. Assim como a maioria dos outros, o ayahuasca provoca vômitos. Entretanto, diferente de outras pessoas, geralmente não vomito até as visões enfraquecerem, talvez quatro ou mais horas após a ingestão. Novamente, interpreto o vômito tardio do mesmo modo que interpreto o início tardio da visão. O vinho precisa de mais tempo para fazer o efeito de limpeza, reunindo os detritos e levando-os para a lata de lixo. Quando o trabalho de limpeza é feito, o vinho provoca o vômito e o lixo é despejado. Em duas ocasiões eu tive uma leve diarréia, outro tipo de purgação que os ayahuasqueiros relatam.

Não posso ficar repetindo a importância da purgação. Esta é a maneira que o vinho tem para eliminar as toxinas físicas assim como as psíquicas que não pertencem ao corpo ou mente saudáveis. O efeito de limpeza se manifesta, imediatamente e durante os dias e mesmo as semanas seguintes. Embora o ato em si não seja agradável, os efeitos subsistentes fazem tudo ter valido a pena. Isso me parece um ritual de purificação.

Como funciona?

Para aceitar minha interpretação de como o ayahuasca funciona exige uma suspensão de todas as crenças previamente arraigadas sobre as diferenças entre o mundo animal e o vegetal. Exige a aceitação de que as plantas podem se comunicar, não apenas entre si, mas com os humanos também. Devemos aceitar a noção de que, como o líder do nosso grupo disse uma vez “a planta sabe o que está fazendo”. Essas concepções não são fáceis para os ocidentais compreenderem ou aceitarem. No entanto é como eu, um pragmático e cético convicto, vejo a planta fazer o seu trabalho. È inegável que elas trabalharam bem para mim.

Seria isso fantasia da minha parte? Eu teria inventado tudo na minha imaginação para explicar minhas experiências?Acho que não. Tenho me esforçado para fornecer descrições exatas de minhas experiências. E ainda estou convencido que minha relação com o vinho é amplamente responsável pelo meu estado atual de boa saúde.

Minha experiência com o ayahuasca e o câncer não é única. Continuo aprendendo a partir de experiências de outras pessoas de diferentes partes do mundo. Algumas delas tem sido relatadas na literatura, outras no boca-a-boca. Há muitos relatos que as tratam como meras anedotas. Os curandeiros da Amazônia têm usado o ayahuasca para propósitos curativos por séculos, durante os quais eles obviamente viam resultados concretos, não necessariamente para o câncer, mas para parasitas de outras doenças. Assim como outros médicos da medicina folclórica, eles não se ocupam com modalidades de tratamento que não funcionam.

Vamos a pergunta que não quer calar: O ayahuasca realmente funciona no tratamento de doenças como têm dito eu e outras pessoas? Uma quantidade considerável de provas sugere que sim. Entretanto, se os ocidentais (excluindo a mim), presos em seus pensamentos analíticos, estão acreditando, precisamos ver estudos controlados em humanos com dados medidos cuidadosamente que poderiam ser estudados e avaliados em um protocolo científico. Tal estudo não deveria ser difícil de conduzir se os obstáculos de proibição fossem superados. Uma maneira de fazer isso é conduzir o estudo em um país menos repressivo. A outra abordagem é levar ao DEA e desafiá-los a proibir uma pesquisa científica do mundo das plantas enteógenas.

Esta é minha esperança fervorosa que tais estudos se encaminharão para um futuro próximo. Há muito a ser aprendido com as plantas, apenas temos que aprender como lidar com elas.

[1] Vinho das almas, Ayahuasca

Fonte:
http://www.biopark.org/peru/ayacancer.html
http://www.biopark.org/peru/ayacancer-02.html

Extraído de: http://mestrecaiano.multiply.com/journal/item/7

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Uma verdade inconveniente



O atrofiar das consciências

Por Nelson Hoineff
3/11/2006

Dos muitos débitos que a mídia tem com a sociedade, o maior é o da banalização da notícia. Ao banalizar a informação, a mídia rejeita sua capacidade de fazer com que cada uma das pessoas que atinge, muito especialmente as milhões de pessoas que confundem reprodução com representação do real, tornem-se agentes de transformação da sociedade. Tome-se a televisão como exemplo. O meio não permanecerá massificado por muito tempo. Mas se as incontáveis horas gastas até agora com os grotescos embustes jornalísticos e ficcionais que invadem todos os dias os lares de milhões de espectadores, se esse tempo fosse aplicado na informação de todas essas pessoas, o mundo seria diferente (e a própria televisão seria certamente mais lucrativa).

A mídia tem falhado grosseiramente, entre outras coisas, em despertar a consciência ecológica das pessoas. É uma questão supra-partidária, praticamente consensual. E no entanto a população da Terra continua dilapidando todos os dias a qualidade de vida na sua vizinhança, inviabilizando a possibilidade de vida futura no planeta. O aquecimento global é a mais recente fonte de preocupação ambiental em todo o mundo e o estarrecedor é que a consciência em torno do problema tenha se formado tão recentemente.

A entrevista de James Lovelock nas páginas amarelas de Veja (data de capa 25 de outubro de 2006) deveria ser de leitura obrigatória, para ficar numa escala bastante acessível. Para o cientista inglês, já em 2040 a Terra se tornará um planeta praticamente sem condições de abrigar vida humana. Cerca de 80% da humanidade desaparecerá antes do final deste século e os 20% restantes protagonizarão formidáveis correntes migratórias para o Ártico. Alguns cientistas acreditam que Lovelock exagera. Ninguém o acusa de estar inventando.

A desatenção da mídia à sua obrigação de informar tem colaborado para que a praia ou o igarapé que estava ao lado desapareçam como por encanto num par de anos. Pode-se visualizar a olho nu o que estamos fazendo com nosso planeta. A mesma negligência midiática permitiu que o meio-ambiente se tornasse um atraente produto de venda de políticos inescrupulosos e parasitas afins. Em época de eleições, é assustador observar a quantidade de oportunistas que se apresentam como defensores do verde, quando o único verde com que se preocupam é a nota de cem dólares.

Um filme como Uma Verdade Inconveniente mostra a possibilidade da consistência de um discurso ambientalista global. Traz dados e conclusões – muitas delas quase idênticas às de Lovelock - como no efetivo índice de aumento da temperatura do planeta até o final do século, de 6 graus em média, ou os efeitos do rápido incremento da densidade populacional (a população da Terra cresceu de 2 bilhões para 6 bilhões no espaço de uma geração). A essência do que é dito ali, repicada pelo espaço no qual a mídia constrói a consciência das pessoas, seria o bastante para tornar esse mundo mais habitável.

Uma Verdade Inconveniente é a documentação da itinerância internacional de uma palestra sobre o tema, conduzida com grande habilidade por Al Gore, o democrata que por pouco não ganhou as eleições para presidente dos EUA. Ele foi derrotado por Bush num resultado que envolveu várias recontagens de votos na Florida e até hoje é cercado de dúvidas.

Gore faz essa palestra há seis anos. Levanta questões essenciais sobre a produção de combustíveis fósseis e o rápido desaparecimento de geleiras ou a ocorrência de catástrofes climáticas. A extensa pesquisa que mostra lança sobre sua platéia uma extraordinária coleção de dados sobre os perigos do aquecimento global e o que poderia ser feito para reduzir o seu impacto.

Se o formato de sua apresentação é admirável, o mesmo não se pode dizer do formato do filme que a documenta. A relevância da palestra não impede que a qualquer momento o documentário possa ser tomado como um institucional sobre o ambientalista - e ainda assim o político – onde não faltam considerações dramáticas sobre assuntos como o acidente que vitimou seu filho ou a doença que matou sua mulher, convenientemente embalados por referências sonoras que cairiam como uma luva na novela das oito.

Essa embalagem não colabora para dar relevo à densidade do que o palestrante está mostrando. Pelo contrário, abre os holofotes sobre a credibilidade das intenções que acompanham o discurso de qualquer político, muito especialmente um quase presidente dos Estados Unidos. Ali estão os indefectíveis primeiro planos, o preto & branco e o slow motion que acompanham todos os filmetes de propaganda política produzidos nos EUA e no mundo.

O calor dos argumentos de Al Gore corre o perigo de se derreter nesse formato, como as geleiras que se esfacelam no Ártico ou na Groenlândia. Mas a pertinência do que está sendo dito não se dissolve. Uma Verdade Inconveniente faz timidamente pela sobrevivência do planeta o que a mídia poderia fazer numa escala gigantesca, de que nenhum filme é capaz. Desperta a consciência para a iminência da extinção da raça humana, que até bem recentemente os cientistas só esperavam para os próximos milhares de anos. Mostra que a qualidade de nossa vida no planeta vai piorar na semana que vem, e no próximo ano, e todos os dias. Essa não é uma invenção do protagonista – é um consenso científico.

A palestra de Al Gore faz de cada um de nós um personagem de O Senhor dos Anéis. Quem conseguir se abstrair do natural voto de desconfiança que deve ser dado a qualquer político, dificilmente vai dormir sem se perguntar o que pode fazer para salvar o planeta.

Fonte: http://www.criticos.com.br/new/artigos/critica_interna.asp?artigo=1105