quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Fritjof Capra e o Ponto de Mutação



Por Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Nascido a 1 de fevereiro de 1939 e tendo obtido seu título de Doutor em Física pela Universidade de Viena em 1966, aos 27 anos, o austríaco Frijof Capra é, sem dúvida, um dos nomes mais significativos na divulgação da vanguarda dos progressos da ciência, da filosofia e, unindo tudo isso com consciência, principalmente da ecologia em nossos dias, indo, porém, sua contribuição muito além da mera populariação dos avanços da ciência moderna, o que, entre outras coisas, lhe tem custado a inveja e resistência de inúmeros acadêmicos convencionais. Seu nome está intimamente vinculado, de modo explícito, ao surgimento de uma nova maneira de se enteder a ciência e, desta forma, de se compreender a realidade que surge, espontaneamente, do questionamento atualmente presente em várias vertentes da ciência e da arte, envolvendo o modo como interpretamos a realidade e de como esta interpretação afeta nosso comportamento frente a nós mesmos e a natureza.

Ou seja, a obra de Capra reflete todo um clima intelectual e espritual que atualmente emerge em todo o mundo... Em pensar uma nova maneira mais sensível e significativa de entendimento, propício a uma mudança fundamental da compreensão humana quanto à natureza do conhecimento científico, quer na esfera das ciências físicas, quer na esfera das ciências biológicas e humanas, o que pode implicar, em linhas gerais, uma extraordinária - embora ainda não muito bem sentida e/ou pouco avaliada - transformação cultural. Autores como Alvin Toffler, Alain Touraine, Francisco Maturana, Michel Maffesoli, Frei Betto, Pierre Weil, Leonardo Boff, Stanislav Grof, Roberto Crema e, em especial, Edgar Morin são outros representantes ainda vivos deste movimento que está surgindo independentemente em vários lugares ao mesmo tempo, dentro e fora das academias - em especial fora, pois as academias estão muito dependentes dos recursos provenientes dos meios capitalistas que dizem o que é ou não "interessante" em ser pesquisado e aceito -, seguindo, de maneira mais ou menos independente, suas próprias linhas de pesquisas e que chegam, não obstante suas diferenças de especialização e de ordem cultural e geográficas, a atingir a mesma conclusão epistemológica sobre o atual estado das ciências e do conhecimento humano. Mas em todo este contexto, esta grande tapeçaria de fios intrelaçados, o nome de Fritjof Capra se destaca como sendo o ponto de junção destes vários pensamentos e tendências afins.

Esta Home Page [ver fonte ao final do texto] não visa fazer uma apresentação biográfica de Fritjof Capra. Os leitores mais interessados em sua vida e na evolução de seu pensamento poderão obter informações a esse respeito no livro "Sabedoria Incomum - Conversas com Pessoas Notáveis", do próprio Capra. Aqui, farei apenas uma breve apresentação das idéias do físico-filósofo, especialmente no que toca a algumas mais sutis e que são, muitas vezes, pouco discutidas.

Quando mais jovem, curioso e independente, Capra se deixou levar pela singularidade dos movimentos sociais e pela explosão contestatória dos anos 60, a época da "Revolução das Mentalidades", como bem fala a professora Rose Marie Muraro, que representava a reação da juventude e de outros setores da sociedade a todo um aspecto de uma estrutura econômico-social que não estava satisfazendo às aspirações humanas mais profundas, como, por exmplo, liberdade, igualdade, solidariedade e pela sede de se viver em harmonia para além da imposição do consumismo, com o homem e a natureza, de modo orgânico, diante da tecnocracia desumana dominante e das lutas ideológicas entre os blocos políticos divergentes, que fragmentavam e alienavam as relações entre pessoas e povos e impunham, através da cultura de massas e de relações profissionais, formas e normas de ver que eram [e são ainda] hierárquicas, dominadoras, patriarcalistas e frias, seguindo rígidos modelos ditos "racionais" de divisão de tarefas, transformando as pessoas em burocratas consumidoras e algumas ainda mais que isso...

Estas divisões são consideradas, em nossa herança cientificista calcada no capitalismo, como sendo pragmáticas e úteis diante de um racionalismo mecanicista que é visto como sendo o modo 'superior', ou seja, o "único" correto, de se administrar a sociedade e suas várias estruturas internas. Tal discurso esquece o exemplo da História de que a única constante é a própria mudança e que os pretensos dizeres que justificam cada etapa são sempre discursos de Poder, que visam sedimentá-lo e naturalizá-lo em meio as suas muitas contradições factuais.

O Tao da Física

Em virtude de seu engajamento juvenil ao clima de constestação dos anos 60, que procurava romper os limites e convenções sociais de então - e que dava aos jovens um profundo sentimento de coesão e aproximação, numa identidade revolucionária -, Capra, assim como vários outros, como os Beatles, sentiu-se estimulado a estudar e, acima de tudo, vivenciar formas não ocidentais de percepção do mundo e de resgatar os valores e culturas de povos ou etnias consideradas por nossa arrogância como exóticas ou "inferiores" aos do ocidente industrial. Daí seus profundos estudos sobre a filosofia oriental e das tradições culturais xamânicas e indígenas de outras culturas não ocidentais. Tudo isso, toda essa aproximação com o diferente, porém, feita sem negligenciar, por um só momento, das tradições e do desenvolvimeto intelectual do ocidente, naquilo que ele tem de melhor. Por isso, Capra se encontrava e trabalhava com nomes como Werner Heisenberg, Geoffrey Chew, Stanislav Grof, Gergory Bateson que compartilhavam igualmente de grande interesse por estas culturas, assim como Allan Watts, Carlos Castañeda, e tantos outros. Nunca abandonou suas pesquisas em Física de alta energia e relizou várias delas em universidades como as de Paris, Santa Cruz, Imperial College de Londres e Berkeley. Além disso, ele começou a experienciar algumas abordagens orientais de meditação e exercícios tais como o T'ai Chi Ch'uan e a Yoga, a conhecer o pensamento de filósofos orientais contemporâneos, como Krishnamurti, bem como participar de alguns grupos de encontro naquilo que se chamaria de Psicologia Humanista e em debates sobre Ecologia com pessoas que buscavam experienciar formas alternativas de convivência, de sentir e compartilhar com outros, vivenciando mais plenamente o contato interpessoal, num aspecto que era típico da segunda metade dos anos 60, e que tão forte participação tivera nos movimentos políticos de então.

Em um verão de 1969, Capra estava sentado em frente ao mar, numa praia da Califórnia, observando as ondas e refletindo sobre os vários movimentos rítmicos da natureza: as ondas, as batidas do coração e o rítmo da respiração associando-os ao que ele sabia, intelectualmente, sobre a "estrutura" física da matéria, que é composta de moléculas e átomos em constante vibração... Bom, a união disso tudo, somado aos seus estudos e vivências de tantos anos em Física, juntamente com a visão paradisíaca da praia em que estava, acabou por estimular em Capra, subitamente, aquilo que os piscólogos transpessoais, especialmente Abraham Maslow, chamam de "peak experiences", ou experiências culminantes, que são "estalos" intuitivos, ou, como falam os americanos, "insights" de súbita compreensão intuitiva sobre algo que se percebe e que está, frequentemente, além do nível convencional de racionalização linear... Segundo as palavras do próprio Capra:

"Neste momento, subitamente, apercebi-me intensamente do ambiente que me cercava: este se afigurava a mim como se participasse, em seus vários níveis rítimicos, de uma gigantesca dança cósmica. Eu sabia, como físico, que a areia, as rochas, a água e o ar ao meu redor eram constituídos de moléculas e átomos em vibração constante (...). Tudo isso me era familiar em razão de minha pesquisa com a Física de alta energia; mas até aquele momento, porém, tudo isso me chegara apenas através de gráficos, diagramas e teorias matemáticas. Mas, sentando na praia, senti que minhas experiências anteriores subitamente adquiriam vida. Assim, eu "vi" (...) pulsações rítmicas em que partículas eram criadas e destruídas (...) Nesse momento compreendi que tudo isso se tratava daquilo que os hindus, simbolicamente, chamam de A Dança de Shiva (...)".

"Eu passara por um longo treinamento em Física teórica e pesquisara durante vários anos. Ao mesmo tempo, tornara-me interessado no misticismo oriental e começara a ver paralelos entre este e a Física moderna. Sentia-me particularmente atraído pelos desconcertantes aspectos do Zen que me lembravam os enigmas da Física Quântica (...)

Fritjof Capra in O Tao da Física
(com adaptações minhas), Prefácio.

Hoje em dia, 30 anos depois desta experiência, os paralelos entre ciência moderna - a grande semelhança na forma de ver e entender o mundo que advém da exploração da física subatômica, em especial a Mecânica Quântica, e da Teoria da Relatividade de Einstein - e as várias tradições místicas, quer do oriente, quer do ocidente, já é questão muito debatida e quase lugar comum e é reconhecida por inúmeras pessoas, especialmente em cientistas e escritores como Mário Schenberg, David Bohm, B. D. Josephson, Pierre Weil, Stanislav Grof e muitos outros. O próprio Carl Sagan, geralmente tão cético e explicitamente arredio a estes assuntos, em sua obra prima, Cosmos, se detém, em um de seus capítulos, entre estes paralelos. Mas, antes de Capra, poucas pessoas haviam percebido estes paralelos, ainda que entre os poucos se encontrassem nomes de peso como Niles Bohr e Werner Heisenberg. Capra sabia disso, e, por causa desta experiência por que passara em 69, ele se decidiu - na verdade, se arriscou - a escrever um livro que demonstrasse esses extraordinários paralelos. Foi daí que nasceu, em 1975, seu best seller O Tao da Física que mostrou a milhões de pessoas a realidade destes paralelos e deixou claro que, por mais sofisticados que sejam nossas descrições e modelos sobre a realidade, estes serão apenas constructos e mapas de nossa compreensão mental sobre o mundo.

Convém, no entanto, desde já, expor aqui algo que, numa avaliação superficial de muitos - às vezes, com uma adicional dose de polêmica e má fé-, é freqüetemente imputado à Capra:

A Ciência ocidental moderna não é inferior e nem está, grosso modo, simplesmente redescobrindo ou endossando a sabedoria antiga. Ela simplesmente está, por seu próprio método racional e analítico, chegando a um ponto em que suas teorias passam a refletir uma realidade física que tem muito em comum com a forma de como o místico (o autêntico místico dedicado ao seu desenvolvimento espiritual e do próximo, sem querer impor sua forma de vida e nem comercializá-la como muitos pseudo-místicos de nossos dias) descreve o mundo quando experiencia seus estados alterados de consciência. Por isso não faz sentido se abraçar, como alguns dizem, por conta dos extraordinários paralelos existentes entre a percepção de mundo do físico e do místico, o método do místico para enriquecer a ciência ocidental ou para proporcionar uma síntese entre ambas as abordagens. A mistura dessas duas abordagens seria um erro tremendo, pois teriamos uma massa informe, e não aspectos complementares de se entender a realidade. Capra nunca falou isso, muito pelo contrário. Eis o que ele escreve em O Tao da Física:

"(...) Considero a ciência e o misticismo como manifestações complementares da mente humana, de suas faculdades intelectuais e intuitivas. O físico moderno experimenta o mundo através de uma extrema especialização da mente racional; o místico, através de uma extrema especialização de sua mente intuitiva. As duas abordagens são inteiramente diferentes e envolvem muito mais que uma determinada visão de mundo físico. Entrentanto, são complementares, como aprendemos a dizer em Física. Nenhuma pode ser realmente compreendida sem a outra; nenhuma pode ser reduzida à outra. Ambas são necessárias, suplementando-se mutuamente para uma compreensão mais abrangente do mundo. Parafraseando um antigo provérbio chinês, os místicos compreendem as raízes do Tao mas não os seus ramos; os cientistas compreendem seus ramos, mas não as suas raízes. A ciência não necessita do misticismo e este não necessita daquela; o homem, contudo, necessita de ambos. A experiência profunda da mística é necessária para a compreensão da natureza mais profunda das coisas, e a ciência é essencial para a vida moderna. Necessitamos, na verdade, não de uma síntese, mas de uma interação dinâmica entre intuição mística e a análise científica" (1995, p. 228).

Convém dizer que esta mesma idéia é tanto adotada por cientistas, como Grof (1988), LeShan (1993), Goswami (1998) quanto por teólogos, como Leonardo Boff (1994) e Frei Betto (Boff & Betto, 1995) e místicos (Satya Sai Baba), por exemplo. Aliás, já Einstein dizia que "Ciência sem religião é cega; religião sem ciência é paralítica"... Por isso, é bom ter cuidado com as exaltações ou radicalismos de ambos os lados, tanto da ciência extremamente mecanicista, quanto a de pseudo-místicos que pipocam à torto e a direito por todas as partes... O que se pretende é se erigir pontes para a troca interdisciplinar de conhecimentos e se chegar a um entendimento o mais abrangente e unitivo possível de nossa realidade, não uma mistura inconsequente de disciplinas.

O grande sucesso, porém, alcançado por O Tao da Física e o contato com várias pessoas em palestras e aulas, levaram Capra a perceber uma sutil realidade: não era a relação descritiva dos avanços da ciência, em si, e nem a descrição dos insights dos místicos que mais tocavam as pessoas ao lerem O Tao da Física, era um algo mais: "o reconhecimento das semelhanças entre a física moderna e o misticismo oriental faz parte de um movimento muito maior, de uma mudança fundamental de visões de mundo, ou paradigmas, na ciência e na sociedade, que agora estão se manifestando por toda a Europa e América, e que implica uma profunda transformação cultural. Esta transformação, esta profunda mudança de consciência, é o que as pessoas sentiram intuitivamente nas últimas duas ou três décadas, e é por isso que O Tao da Física tangeu uma corda tão sensível" (Capra, 1995, p. 241).

O Ponto de Mutação

Este "movimento muito maior" de que nos fala Fritjof Capra já era algo que estava no ar desde o início do século... Na verdade, o fracasso das promessas de um paraíso na terra, baseado num ideal puramente capitalista-materialista advindo pelo progresso tecnológico e expresso na crença positivista de que esta por si (como se independente do capitalismo ganancioso que a estimula) resolveria todos os problemas e deixaria as maravilhas da modernidade acessível a todos - e que já era questionada como crença ingênua por muitos desde meados do século passado -, rachou espetacularmente diante da tragédia bizarra da Primeira Grande Guerra, da Segunda Grande Guerra, do Neocolonialismo americano e das ditaduras financiadas na América Latina e de figuras como um Reagan e um Bush. De repente estava muito visível que não era na crença do progresso técnico que estava a questão da possível felicidade humana, mas na maturação psicológica das pessoas que usavam de toda esta tecnologia e na divisão dos frutos do progresso com todos, naquilo que existe de mais fundamental, como educação e saúde e, enfim, na possibilidade de se ampliar as capacidades mais especificamente humanas, como a fraternidade e o altruísmo.

O sucesso do desenvolvimento tecnológico era inquestionável e foi tal seu impacto na sociedade que era realmente muito difícil não se deixar fascinar pelas grandes maravilhas que estavam realmente promovendo o progresso social e, igualmente, trazendo conforto e reduzindo as distâncias entre os indivíduos e, em certo sentido, entre as nações. Mas também trouxe, no rastro da Revolução Industrial, o início de uma era de desigualdades sociais e de crescente alienação familiar, profissional e política. Karl Marx e tantos outros apontaram, de modo contundente, toda a crueza de um desenvolvimento parcial mais calcado nos ganhos materiais de uma minoria que no equilíbrio entre bens e bem-estar social. Mas as idéias, tão arduamente difundidas pelo positivismo e tantas outras escolas, especialmente as do Darwinismo-Social, enfatizavam de modo dramático (e parcial) a decantada vitória do Homem Ocidental (homem mesmo, pessoa do sexo masculino) sobre a Natureza (que era entendida, mesmo de forma inconsciente, como fêmea). Claro está que todo este desenvolvimento era financiado pelos grandes e recém-enriquecidos capitalistas, o que, de certo modo, acabava por influenciar igualmente, neste contexto, a filosofia da ciência. Max Weber, em especial, possui excelentes estudos em Sociologia sobre isto, como, por exemplo, em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. E muitos outros autores escreveram e pesquisaram amplamente sobre isso, embora, como é óbvio, estas pesquisas e idéias ficassem restritas a poucos estudiosos, já que o capitalismo dava as cartas sobre o que devia ou não ser conhecido ou divulgado.

Mas estas percepções, bem ou mal, começaram a ser incomodamente sentidas por todos. Filmes como Metrópolis, do alemão Fritz Lang, ou Tempos Modernos, do britânico Charlie Chaplin, expressavam, nas telas, algo que há muito tempo se sentia, mas que não se conseguia pôr facilmente em palavras. Movimentos artísticos, como o Dadaísmo e tantos outros, expressavam, pela arte, o desencanto diante da alienação humana e afetiva diante da mecanização das relações de trabalho. Movimentos, como a Escola de Frankfurt, na Alemanha, e os vários movimentos operários na Europa estavam questionando vividamente o porquê da vida nas grandes cidades serem tão mecânicas, críticas feita especialmente à fragmentação extrema e extrema alienação no trabalho que advinham de escolas como, por exemplo, o taylorismo e o fordismo. A Revolução Russa de 1917, por fim, parecia ser a materialização da revolta que crescia entre a maioria da população do mundo frente as grandes desigualdades sociais. Claro, o capitalismo lucrativo teve de se movimentar rápido para neutralizar o "perigo" da ameaça comunista, e nisto tiveram excepcional ajuda de um tirano como Joseph Stalin e da imaturidade de muitos "comunistas" ao redor do mundo...

Todo esse caldeirão de 'sentimentos no ar', vinha sendo sentida e, por fim, tiveram uma explosão mais óbvia até mesmo nos Estados Unidos, qua ainda parecia estar imune a esta movimentação toda, mas que veio à tona nas décadas de 60 e 70. Este boom de mobilizações sociais ocorriam paralelamente a uma outra grande revolução no campo da própria ciência, que, em um estado fundamental, ajudou a erigir o quadro mecanicista que provocou o questionamento do modo de vida mercantilista da sociedade ocidental mas que, agora, dava à conhecer novas descobertas que minavam a visão de mundo causal, determinista e materialista dominante. Infelizmente, porém, a reação conservadora e poderosa dos capitalistas não se fizeram de rogada, e, manipulando a mídia e os mercados, impuseram nomes como Reagan, Tatcher, João Paulo II, Collor, Bush e outros para freiar e reverter "a Revolução das Mentalidades".

Capra passou anos estudando e avaliando o que havia descoberto enquanto o Tao da Física corria o mundo. Seu contato com pessoas extraordinárias como Gregory Bateson, Ilya Prigogine e tantos outros o levaram a amadurecer as ideás que se expressam no que, talvez, seja o seu mais importante livro, ou pelo menos, seu livro mais lido e comentado: O Ponto de Mutação, que foi publicado em 1982.

Neste livro, Capra investiga as implicações e impactos do que tomava a forma de uma mudança de paradigmas, como havia previsto e estudado o físico Thomas Kuhn, mais de 20 anos antes. O ponto de partida desta investigação foi a observação de que os principais problemas visíveis do século XX - ameaça nuclear, destruição do meio ambiente, desigualdades e exploração gritante entre Norte e Sul, preconceitos políticos e raciais, etc. - são todos sintomas ou aspectos diversos do que, no fundo, não passa de uma única crise fundamental, que é uma crise de percepção, uma percepção distorcida baseada no individualismo e na separatividade entre pessoas, coisas e eventos.

Esta crise é promovida quando, pela educação, cultura e ideologia dominantes, nós e nossas instituições adotamos conceitos e introjetamos valores que, apesar de sentidos como obsoletos, servem para justificar e racionalizar sentimentos menos nobres como a avareza, por exemplo. Quando estes conceitos e valores tomam a roupagem do racionalismo científico, então, parece haver uma catarse coletiva, já que, mesmo que estejamos agindo contra o bem-estar comum, especialmente na agressão ao meio-ambiente, estamos igualmente "agindo de forma científica ou, ao menos, racional". Passamos a nos sentir menos culpados e mais ligados a uma ideologia que justifica nossas atitudes insanas. Mas, agora, estas atitudes, por mais que possam ser racionalizadas, se mostra como muito próxima de uma esquizofrenia suicida geral diante das mazelas que ela tem feito a um mundo superpovoado e globalmente conectado.

Ao mesmo tempo em que a grande maioria, até mesmo por questão de sobrevivência (não tendo o direito à vivência da existência) e por ignorância ou desconhecimento da realidade subjacente à crise atual, que é uma crise de percepção (veja-se, por exemplo, o papel da Mídia no Brasil para a manunteção do status quo de uma elite corrupta detentora da maior parte da Renda produzida na nação, e para o continuismo do poder atual), atrela-se ao modus operandi atual, um grupo muito importante de pessoas, que vão de vovôs, cientistas, filósofos e pesquisadores até a grupos de estudantes, ONGs, religiosos e outros, formam numerosas redes alternativas que questionam e desenvolvem uma nova visão de realidade que formará a base das tecnologias e das relações sociais e econômicas, se o deixarem e não apertarem o botão, do nosso futuro.

O atual paradigma, que já nós deu inúmeras mostras de esgotamento e de incapacidade de solucionar inúmeros problemas básicos e existenciais do ser humano, vem dominando amplamente nossa cultura e educação há quase 400 anos, desde que Copérnico conseguiu, graças a Deus, enfrentar os dogmas rígidos e ultrapassados da Igreja Católica, abrindo espaço para a Revolução Científica de fins da Idade Média, e que, com o tempo, nos legou nomes como Galileu, Descartes e Newton... Este paradigma atual, que Capra chama de newtoniano-cartesiano, teve um impacto benéfico ao libertar a razão das amarras da superstição e do controle eclesiástico, mas foi, com o tempo, hipertrofiado. Ele consiste numa série de idéias e pressupostos, com determinados valores implícitos, que acaba por ser o referencial subliminar de nosso modo de entender o mundo já que é a base filosófica pela qual a ciência se apoia e é o modelo usado na educação de nossos filhos.

Não podemos, no atual estado de evolução do mundo adulto, expressar as nossas experiências com e no mundo sem que tenhamos de interpretá-las intelectualmente, e esta interpretação, em suas caractertísticas básicas que devem ser compartilhada com/pela a maioria das pessoas, depende da filosofia subjacente com que encaramos os dados sensoriais. Esta filosofia subjacente é que constitui o paradigma newtoniano-cartesiano.

Ele pressupõe, grosso modo, que o universo que nos engloba é uma grande máquina mecânica - ou age como tal - que é inteligível se nós nos lembrarmos de que ela, tal como um relógio, nada mais é que um composto, formado por pequenas partes elementares, os átomos. Por isso, tudo o que neste universo existe, inclusive os seres humanos, pode ser entendidos da mesma forma, ou seja, como uma máquina biológica igualmente composta por átomos "burros", mas que, por obra do acaso, durante bilhões de anos de evolução cega, chegou, de uma forma complexa, a produzir vida consciente (consciente? Alguns cientistas, como os behavioristas radicais da escola de B.F. Skinner, chegam a negar que ela exista).

Este modelo, sendo mecanicista e materialista em essência, também postula o domínio da Natureza máquina pelo homem-máquina e exige, em termos econômicos, um ilimitado crescimento material a ser conquistado de forma exponencial mediante o crescimento econômico e tecnológico. E este aspecto, de conquista e domínio da Natureza, reitera, inconscientemente, a convicção de que a força do "homem", do macho, e sua ação, é mais produtiva, tornando "natural" a consideração (que vem desde a herança hebráica adotada pelo cristianismo pós-Cristo) de que a mulher é subordinada ao homem. Porém, desde a revolução promovida por Einstein na Física, e com o abalo feito em nossos pressupostos clássicos pela mecânica quântica, passando por eventos e questionamentos sociais, toda essa visão de mundo bem amarradinha passou a ser severamente questionada e, com a evolução subsequente, tem mostrado sérias limitações que exigem uma revisão radical.

A questão da mudança radical nos conceitos de espaço, tempo e matéria, que adveio da Física Moderna, Capra já tinha discutido em O Tao da Física, mas faz uma apresentação mais acessível em O Ponto de Mutação. Em especial, durante toda a obra, Capra faz uma crítica fundamental à mentalidade analítica e fragmentadora da ciência normal, em especial, às ciências que tomam o método analítico da Física Clássica de Newton como modelo que deve ser seguido para erguer as demais ao status de ciência perante a comunidade acadêmica (é interessante observar a obsessão de algumas pessoas com isso. Alguns Psicólogos Sociais só se sentem bem quando reduzem pessoas e comportamento complexos, artificialmente, a números e gráficos cartesianos, para se verem como físicos sociais). Cabe salientar que a própria Física já superou esta mentalidade das bolas de bilhar atômicas que rolam numa mesa tridimensional, o espaço, segundo as forças que atuam sobre elas de forma determinística, embora a maioria dos físicos tenham ainda uma percepção newtoniana do mundo.

Vejamos, agora, algumas das mudanças radicais que advém da construção de um novo paradigma, feito pelas ciências de vanguarda, especialmente a Física, a Biologia, a Cibernética, a Ecologia e a Psicologia não-behaviorista e não-freudiana:

Não faz mais sentido se falar em blocos de construções básicos ou entidades físicas fundamentais, como os átomos indivisíveis de Demócrito e Newton, que é o postulado metafísico básico da mecânica clássica. Ao nível subatômico e ao nível ecológico não faz sentido mais se falar em peças isoladas que interagem entre si, mas em padrões de relações entre partes que estão inclusas em uma estrutura maior, um todo dinâmico, sendo a relação em si mais importante que as partes que "sentem" esta relação... Einstein demonstrou que matéria não é nada mais que energia condensada, sendo esta condensação, segundo a teoria Geral da Relatividade e da Teoria Quântica, nada mais que um "nó" no espaço, ou seja, um elétron, por exemplo, nada mais é que a condensação de energia num ponto do campo sutil que é o espaço. Em termos grosseiros, nada mais é que um 'caroço' de energia condensada. Além do mais, o comportamento do elétron depende do comportamento do átomo todo e deste com os demais átomos e campos que o cercam e interagem continuamente com ele. Neste sentido, é mais correto se falar em eventos e interrelações como a descrição da realidade do que dizer que determinadas partes atuam de tal ou tal forma para definir o todo. Esta é exatamente a mesmíssima idéia da Ecologia: somos frutos em interação do ambiente natural, e não independentes dele. O que fazemos contra a natureza fazemos, de modo brutal e estúpido, a nós mesmos...

Um segundo ponto fudamental, que está correlacionado com o primeiro acima descrito, é que o modo como nós, seres humanos, interagimos com o mundo, dentro de uma determinada visão de mundo, acaba por influenciar nas respostas que este nos dá. Isso é particularmente dramático na Física, onde um elétron possui uma dupla caracterítica extremamente paradoxal: ele pode ser, ao mesmo tempo, uma partícula (como geralmente o entendemos e pensamos que seja) como pode ser algo completamente diferente e, em última instância, completamente contraditório a uma partícula... Ele pode, simplesmente, estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, porque possui característica de onda... E a forma como ele vai se apresentar para a gente vai depender da forma como nós esperamos que ele apareça! Desta forma, a natureza só nos dá, em parte, aquilo que nós esperamos, ou melhor, acreditamos que ela nos dará. Isso aponta para algo que sempre foi negligenciado ou nem mesmo pensado: nossas teorias sobre o mundo, não são descrições desse mundo, mas mapas conceituais que se auto-validam dentro de nossas convenções do que seja válido ou não em ciência. Isso é grave e exige uma mudança da ciência objetiva (em que se crê que o observador nada tem a ver com o objeto observado) para uma ciência epistêmica, em que tem de se levar em conta o próprio processo humano de conhecer e fazer ciência. No final, a natureza é um espelho de nossos próprios modelos mentais sobre a natureza.

Isso implica que não pode haver uma ciência acabada, com postulados fundamentais fixos. O conhecimento humano é um edifício que está longe de ser sólido e concluído, e, frequentemente, ele escolhe algumas pedrinhas e descarta outras a priori, devido ao paradigma fundamental que diz o que é e não é válido em ciência. Thomas Kuhn, em especial, nos mostra que os fundamentos científicos, vez por outra, sofrem um abalo tremendo, o que implica na reconstrução de todo o prédio conceitual e, com isso, mudam as janelas e a forma de olharmos a realidade. Isso ocorre no período denominado de Revolução Científica, que, em nosso século, foi exemplificado pela Teoria da Relatividade, Teoria Quântica, Cibernética, Ecologia e Psicologia Transpessoal.

No final, o que Capra deixa bem claro é o seguinte: A sobrevivência humana, que é ameaçada por várias ações igualmente humanas advindas de uma visão de mundo mecanicista e fragmentada, só será possível se formos capazes de mudar radicalmente os métodos e os valores subjacentes à nossa cultura individualista e materialista atual e à nossa tecnologia de exploração do meio-ambiente. Esta mudança deverá, logicamente, refletir-se em atitudes mais orgânicas, holísticas e fraternas entre os seres humanos e entre estes e a natureza, em todos os seus aspectos. Claro, Capra discorre esplendidamente sobre tudo isso de maneira muito mais aprofundada e interessante do que me seria capaz de expor aqui. Recomendo, pois a leitura de O Ponto de Mutação.

A Teia da Vida

O mais recente livro de Fritjof Capra, A Teia da Vida, retoma a visão de interligação ecológica de todos os eventos que ocorrem na Terra e da qual fazemos parte, de forma fundamental. Em muitos pontos, este pode ser o livro mais profundo dos já escritos por Capra. Ele nos apresenta seu conceito de Ecologia Profunda neste livro, um termo que, para ele, é mais apropriado que o termo 'holístico', já bastante gasto por pessoas que se apropriaram erroneamente deste termo para comercializá-lo. Nada melhor, então, do que lermos o próprio Capra...

"O novo paradigma que emerge atualmente pode ser descrito de várias maneiras. Pode-se chamá-lo de uma visão de mundo holística, que enfatiza mais o todo que as suas partes. Mas negligenciar as partes em favor do todo também é uma visão reducionista e, por isso mesmo, limitada. Pode-se também chamá-lo de visão de mundo ecológica, e este é o termo que eu prefiro. Uso aqui a expressão ecologia num sentido muito mais amplo e profundo do que aquele em que é usualmente empregado. A consciência ecológica, nesse sentido profundo, reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos e o perfeito entrosamento dos indivíduos e das sociedades nos processos cíclicos da natureza. Essa percepção profundamente ecológica está agora emergindo em várias áreas de nossa sociedade, tanto dentro como fora da ciência.

"O paradigma ecológico é alicerçado pela ciência moderna, mas se acha enraizado numa percepção existencial que vai além do arcabouço científico, no rumo de sua consciência de íntima e sutil unidade de toda a vida e da interdependência de suas múltiplas manifestações e de seus ciclos de mudança e transformação. Em última análise, essa profunda consciência ecológica é espiritual. Quando o conceito de espírito humano é entendido como o modo de consciência em que o indivíduo se sente ligado ao cosmo como um todo, fica claro que a percepção ecológica é espiritual em sua essência mais profunda, e então não é surpreendente o fato de que a nova visão da realidade esteja em harmonia com as concepções das tradições espirituais da humanidade".

Fritjof Capra

Bibliografia:

° Boff, Leonardo. Nova Era: A Civilização Planetária, Ed. Ática, 1994.

° Betto, Frei. A Obra do Artista - Uma Visão Holística do Universo, Ed. Ática, 1995.

° Capra, Fritjof. O Tao da Física, Ed. Cultrix, 1995.

° Capra, Fritjof. O Ponto de Mutação, Ed. Cultrix, 1992.

° Capra, Fritjof. A Teia da Vida. Ed. Cultrix, 1996.

º Capra, Fritjof. Sabedoria Incomum, Círculo do Livro, 1992.

° Capra, Fritjof. Pertencendo ao Universo, Ed. Cultrix, 1995.

º Kuhn, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas, Ed. Perspectiva, 1990.


Fonte: http://br.geocities.com/carlos.guimaraes/Capra.html

Filme: http://video.google.com/videoplay?docid=854094769667634943

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Estados não usuais de consciência


O trabalho de Stanislav Grof com o inconsciente tem atraído a atenção de estudiosos em todo o mundo. Grof é um dos precursores da psicologia transpessoal que revolucionou os conceitos da ciência de modo geral. Foi chefe de pesquisas psiquiátricas no Maryland Psychiatric Research Center e professor assistente de psiquiatria na Johns Hopkins University School of Medicine, Presidente fundador da International Transpersonal Association, dirige workshops em todo o mundo, bem como programas de treinamento. Recentemente ele esteve no Brasil participando do VI Congresso Holístico Internacional em Águas de Lindóia/SP, onde proferiu seus ensinamentos, esclareceu dúvidas e participou ativamente como palestrante. A seguir um resumo da palestra proferida e do depoimento dado ao QUIRON, por Stanislav Grof, que nasceu em uma pequena cidade da Tchecoslováquia, numa família basicamente ateísta.

... Meus pais se conheceram , quiseram se casar e tiveram problemas, minha mãe era de tradição católica e meu pai, sem nenhum envolvimento religioso. Meus avós maternos acreditavam que a única forma de união "decente", era aquela que acontece dentro de uma igreja. E a igreja local não quis casá-los, depois de julgar meu pai como pagão. Para desfazer aquela confusão, meus avós fizeram uma significativa doação em dinheiro para a igreja e de repente o caminho se abriu, e meus pais se casaram. A situação teve tamanha importância que meus pais decidiram criar os filhos fora de qualquer conceito religioso. Quando crescemos, fizemos nossa opção religiosa. Sou um daqueles casos raros, de alguém que tomou contato com a espiritualidade através da pesquisa científica.

Ateísta, entrei para a escola de medicina, onde sabemos não se valoriza muito as experiências místicas. Comecei estudando medicina em um país de ideologia comunista, com treinamento puramente materialista. No colegial, um amigo presenteou-me com o livro "Insights da Psicanálise", de Freud. Primeiro eu queria trabalhar com filmes. Depois de dois dias lendo aquele livro, fiquei tão tomado pelas idéias de Freud que me decidi pela carreira médica. E, à medida que fui me aprofudando nos conhecimentos da psicanálise, mais aumentava meus conflitos internos. Fiquei totalmente desmotivado com o potencial terapêutico da cura pela psicanálise, quando observava a profundeza da psique da alma, antes tão desconhecida. Nem todo cliente era um bom candidato à psicanálise, sem contar a quantidade de tempo, dinheiro e energia, que se depreendia no processo. Eram anos a fio à procura da cura do paciente.

Quando cheguei aos Estados Unidos, observei que havia pessoas com mais de 20/25 anos de terapia. Fiquei muito desapontado e pensei - acho que tenho de voltar a trabalhar com filmes, estou no caminho errado com a medicina. Naquele momento , a clínica onde eu trabalhava recebeu uma caixa, com ampolas contendo LSD. A companhia que a enviara fazia o pedido para que fizéssemos uma pesquisa, para perceber se aquela substância realmente oferecia algum tipo de benefício para o tratamento psicológico. A empresa tinha dois modelos prontos a respeito da utilização do LSD: o primeiro acreditava que o LSD simulava estágios psicóticos; o outro, que talvez essa substância representasse uma forma de reeducação bastante inusitada.

A idéia era que os profissionais da área de saúde mental, ao experimentarem com o LSD, pudessem sentir em si, os estados que os clientes tinham no cotidiano e, dessa forma, poderiam tratá-los de melhor forma. Fui um dos primeiros voluntários. Meu preceptor era um fanático em eletroencefalografia e parte de nosso estudo era, além de tomar o LSD, em algum momento teríamos que receber a alteração das ondas mentais.

Interessado em uma teoria chamada Modificar as Ondas Mentais, eu tinha que concordar que as minhas, fossem modificadas, no meio daquela experiência com LSD. Quando estava no ponto máximo do experimento, no ponto mais intenso do efeito daquela substância, eles me chamavam, para que se fizesse a experiência do monitoramento das ondas cerebrais. Deitado com uma luz estetoscópica na minha frente, de repente me senti como que no meio de uma explosão atômica. Hoje analiso que, o que eu vivi mesmo, naquele momento, foi a luz inicial da minha consciência, que foi catapultada para fora do meu corpo... e em um instante "eu" saí da clínica, saí de Praga e saí para fora do planeta. Minha consciência era o reflexo de tudo que existia no universo. E aumentando a intensidade da experiência com o aparelho, fui voltando ao meu corpo físico.

Eu já havia trabalhado antes com o efeito da luz estetoscópica, mas a experiência que eu vivenciava agora, na verdade, não tinha nada a ver porque na realidade, ela foi feita sob o efeito do LSD. Fiquei tremendamente intrigado e interessado intelectualmente, para entender mais sobre o LSD e sobre outros psicodélicos. Entendi então que este era o caminho mais excitante dentro da psicologia e da psiquiatria. Para mim foi uma vida inteira dedicada a este trabalho, não só com os psicodélicos, mas aos trabalhos ligados aos estados não usuais de consciência.

Nos últimos 20 anos eu e minha esposa Cristina, nos envolvemos com o trabalho chamado Respiração Holotrópica, que combina respiração intensa, música, trabalho de corpo e, trabalhos com pessoas que entraram em estado não usual de consciência, sem a utilização de psicodélicos nem a respiração intensiva, nem desejaram ter aquelas experiências, mas que vivenciaram aquilo de forma espontânea.

Comecei a me dedicar a várias áreas do conhecimento, ligadas aos estados não usuais de consciência, como xamanismo, tanatalogia, parapsicologia, misticismo, ritos de passagem, que me trouxeram experiências fantásticas, nesses últimos 40 anos, tanto em nível profissional quanto pessoal.

Além da observação

Eu mesmo experimentei, basicamente, todas as experiências descritas em meus livros, e obviamente esta progressão me levou a mudanças de paradigmas no que se refere à psicologia, psicoterapia e psiquiatria. Tamanha é a diferença da visão de mundo, entre os grupos chamados primitivos, antigos, aborígenes e a tradição tecnológica ocidental. Para essa visão aborígene de mundo, existe a idéia de que esta realidade visível não é a única que existe, há outras realidades paralelas onde existem espíritos, demônios, elementos arquetípicos ou mitológicos, entidades encarnadas, animais de poder e assim por diante.

Místicos X materialismo

Experiências mais sutis são formas de patologias, seja na visão dos materialistas, sejam em estados não usuais de consciência. No entanto, são importantes, de tal forma que são criados espaços, para que elas possam ser vivenciadas com segurança e métodos, para se desenvolverem com intensidade. Nesses estados alterados de consciência é que nascem a rica mitologia e a espiritualidade daqueles povos. Estados não usuais de consciência são utilizados por culturas ancestrais para diagnóstico e para cura de diversas enfermidades humanas. Nelas se desenvolvem a capacidade da intenção extrasensorial e estes estágios são reconhecidos também como fonte de inspiração criativa. São costumes citados também por aqueles povos, para coisas práticas e corriqueiras tais como encontrar objetos ou pessoas perdidas ou para localizar rebanhos de animais a serem caçados, inclusive eles desenvolveram cerimônias para aumentarem ainda mais a capacidade de modificar a consciência, com objetivos bastante práticos.

Não apenas patolizamos estas práticas como também proibimos a utilização de substâncias ou cerimônias que possam levar à mudança de estados da consciência. Por exemplo, dentro da psiquiatria saxônica não há uma distinção clara entre misticismo e estágios psicóticos. Em geral esta diferença de visão de mundos entre as sociedades tradicionais e a nossa sociedade industrial/ocidental é explicada pela "superioridade filosófica" da nossa visão "limitada" de mundo. Depois de trabalhar 40 anos nessa área do conhecimento, minha opinião sobre esta diferença de visão de mundo tem mais a ver com a enfermidade e com a ignorância da ciência ocidental, em relação aos estados não usuais de consciência. A minha experiência, principalmente com pessoas que têm grande treinamento científico e filosófico que têm Q.I. muito desenvolvido, é que estas , quando em trabalho com estados não usuais de consciência, entram em contato com experiências espirituais e místicas. E, elas não podendo negar a realidade espiritual, começam a se interessar pelas tradições místicos religiosas, tanto no ocidente quanto no oriente.

Comunidade científica

A tanatalogia vem estudando casos de cegueira congênita, em que as pessoas que viveram experiências fora do corpo, descrevem o que acontece na sala de operações ou em outros locais e, quando voltam, descrevem o que viram, as explicações são confirmadas, só que quando retornam ao corpo físico, continuam cegas como antes. Estas experiências continuam sendo negadas pela comunidade científica. O modelo da psicologia e da psiquiatria tradicional está baseado no modelo biográfico - experiências que vivenciam depois do nascimento. E ao contrário, se você trabalha com estados não usuais de consciência, fica impossível, explicar todas as experiências, utilizando este modelo tradicional.

Precisamos de um modelo mais vasto, mais amplo, quando trabalhamos com psicodélicos. Comecei pois a pensar em um modelo que levasse em conta todas as experiências que eu percebia com os pacientes, em estados de psicose ou em crises espirituais. Muitas experiências, por exemplo, ocorrem durante uma meditação, que também podem ser descritas, pelos três níveis do modelo que desenvolvi.

O primeiro nível está próximo ao modelo da psicologia tradicional, envolve todas as experiências emocionalmente significativas depois do nascimento e que são trabalhadas também pela psicologia convencional. Este é apenas um nível sutil do método que desenvolvi, durante os trabalhos em estados não usuais de consciência peri natal, em que o paciente revive experiências do nascimento, inclusive, com riqueza de detalhes. São experiências que datadas do período de gestação até ao nascimento que puxam um outro nível do inconsciente, que chamamos de transpessoal. Estas vivências podem ficar flutuando entre o peri natal e a dimensão do inconsciente coletivo, tanto histórico quanto mitológico - que transcendem as fronteiras usuais da consciência.

Espiritualidade

Quando se trabalha os sintomas mais profundos como a questão da espiritualidade é reconhecer esta espiritualidade como algo importante e profundo, como parte da psique humana e não apenas uma questão de falta de educação científica. Outra área que temos que modificar nossa percepção é a área da estratégia psicoterapêutica, de mudança. As escolas de psicologia, é raro que uma concorde com as outras sobre qualquer assunto. Cada uma tem uma idéia diferente de como a psique funciona. Não existe nenhuma pesquisa que confirme a superioridade de uma ou outra linha de pensamento. Existe pesquisa, inclusive que confirma que, em todas as escolas psicológicas existem bons e maus terapeutas e que o resultado não depende, em geral, daquilo que o terapeuta pensa que está fazendo. Parece que o que é relevante neste caso é a qualidade do relacionamento entre o terapeuta e o cliente.

Quando se trabalha com estados não usuais de consciência, começamos a entender melhor esta confusão e vamos chegar ao que Jung já havia descoberto há anos: o intelecto é parte da psique e que esta é cósmica, abriga tudo que existe. Não podemos entender com o intelecto, como funciona a psique de uma outra pessoa e muito menos tentar consertar o self. Está claro que a cura não acontece devido a uma interpretação brilhante por parte do terapeuta, mas devido a uma relação profunda que acontece dentro do próprio indivíduo. Percebe-se então que nestes estados não usuais de consciência, ele traz aquelas experiências que tenham maior carga emocional para a superfície, para que possam ser transformadas.

Para nós os sintomas não são algo a serem descartados, mas na verdade é o que está tentando sair do corpo, da psique do indivíduo. Esta definição desaba totalmente quando entramos em estados não usuais de conciência. Em estado transpessoal você pode ser qualquer tipo de experiência, entre ficar com o ego - a identidade-, até o princípio criador. Podemos nos experienciar como seres mitológicos ou em níveis mitológicos de consciência - onde o ser humano é definido como um campo de possibilidades sem limites. A questão é: somos campos materiais ou esse campo de consciência infinita?

Fonte: http://www.quiron.com.br/ciencia.htm

sábado, 18 de outubro de 2008

Consciência sem limites


"A PESQUISA DA MENTE ATINGE O PONTO ONDE A CIÊNCIA
ENCONTRA A ESPIRITUALIDADE"

POR JOSÉ TADEU ARANTES - Revista Galileu No. 94

Quem somos ? De onde viemos ? Para onde vamos ? Por que o mundo existe ? Qual o sentido da existência ? Todos nos fizemos, alguma vez, perguntas como estas. Elas têm sido formuladas desde a infância da humanidade. E as inspiradas respostas que lhes foram dadas constituem o núcleo das grandes tradições espirituais do planeta. Essa sabedoria tradicional – que já foi desprezada em nome da ciência – vem recebendo agora notáveis confirmações por parte da moderna pesquisa científica da consciência.

Quando se fala em pesquisa da consciência, o primeiro nome a ser lembrado é o de Stanislav Grof. Nenhum cientista tem feito mais na área do que esse psiquiatra checo radicado nos Estados Unidos. Ao longo de quatro décadas de investigações sistemáticas, ele acompanha dezenas de indivíduos, de diferentes meios culturais e crenças, que tiveram acesso ao que chamou de "estados inusuais de consciência". "As experiências psíquicas vividas nessas condições desafiam a visão de mundo materialista e compõem um quadro que coincide com os ensinamentos das antigas tradições espirituais", declarou Grof à revista Galileu. Ele próprio apresentou esse quadro numa série de livros, especialmente em O Jogo Cósmico, recém-lançado no Brasil.

Segundo o pesquisador, a psique atua de dois modos diametralmente opostos. Recorrendo a uma analogia simplista, mas útil para a compreensão do fenômeno, pode-se dizer que ela possui um dispositivo interno que funciona de modo semelhante a um interruptor de corrente elétrica. Quando giramos a chave para um lado, a consciência se restringe, tornando-se focalizada, analítica, atenta aos detalhes. Essa é a posição com a qual operamos usualmente em nosso dia-a-dia. Ela nos leva a ver a realidade como um conjunto de eventos, que ocorrem no espaço tridimensional e se sucedem num tempo linear. E, por exemplo, nos permite atravessar uma rua movimentada sem sermos atropelados e calcular, com alguma chance de sucesso, o entra-e-sai de dinheiro em nossa conta bancária. Grof a chama de hilotrópica, palavra derivada dos termos gregos hyle (matéria) e trepein (mover-se em direção a).

Até aqui, nenhuma novidade. Quando giramos a chave para o outro lado, porém, a situação se altera de maneira radical. A consciência liberta-se das amarras do espaço-tempo, da identificação restritiva com o corpo físico e o ego racional e expande-se indefinidamente.

Caem as barreiras entre o "eu" e o "outro", entre o "aqui" e o "ali", entre o "antes" e o "depois". A consciência passa a englobar domínios cada vez mais amplos da realidade. No limite, ela abarca toda a criação e pode até mesmo identificar-se o Criador. Esse é o estado no qual surgem as grandes inspirações artísticas, científicas e filosóficas, a iluminação mística e os dons proféticos. Grof o chama de holotrópico, do grego holos (todo) e trepein (mover-se em direção a).

URSOS PODEROSOS

Parece fantástico. Mas, como demonstrou de maneira exaustiva a pesquisa de Grof, os estados holotrópicos, ou inusuais, são potencialmente acessíveis a todo ser humano. Eles hibernam como ursos poderosos nas cavernas da psique. E tendem a despertar pelos mais variados motivos. Podem irromper fugaz e espontaneamente em meio às atividades cotidianas, provocadas pela visão de um céu estrelado, pela audição de um concerto de Bach ou pela leitura de um verso de William Blake, por exemplo. Podem ser metodicamente preparados, desencadeados e estabilizados por meio de rigorosas disciplinas espirituais, como as iogas indianas. Podem ser temporariamente induzidos por substâncias psicoativas e técnicas de forte impacto, como a "respiração holotropófica", desenvolvida por Grof e sua mulher Christina (leia quadro).

Qual é a visão de realidade oferecida pelos estados holotrópicos? Para começar, o universo material deixa de ser visto como uma coleção de objetos separados, relacionados uns com os outros por meio de forças externas e cegas. Ele passa a ser percebido, ao contrário, como uma totalidade inseparável e orgânica. "Nosso universo, que parece englobar um número incontável de entidades e elementos diferentes, apresenta-se, então, como um único ser, de imensas proporções e complexibilidade inimaginável", explica Grof. Igual a um tapete contínuo, é impossível puxar uma de suas pontas sem balançar todas as demais. E não se trata de um tapete comum, mas do famoso tapete mágico dos contos de As Mil e Uma Noites, pois a percepção que se tem do universo é a de um ser vivo, impregnado de consciência em todos os seus níveis.

Grof e seus colaboradores recolheram centenas de relatos de indivíduos que, em estado holotrópico, sentiram-se identificados com animais, vegetais ou minerais.

Todos esses entes, inclusive aqueles supostamente inanimados, pareciam-lhes dotados de consciência, que adquiria, em cada caso, um matiz específico. Tais experiências poderiam ser rotuladas como meras fantasias ou alucinações, não fosse pelo fato de que esses episódios proporcionaram, às pessoas envolvidas, informações detalhadas – e previamente desconhecida – sobre os entes com os quais haviam sintonizado. A identificação consciente com plantas, por exemplo, traduziu-se em vislumbres surpreendentemente precisos de processos botânicos, como germinação de sementes, trânsito de água e minerais nas raízes, fotossíntese e polinização.

Em o Jogo Cósmico, Grof menciona a experiência espontânea de um americano inteligente e culto, que se identificou com uma montanha, enquanto acampava com os amigos na Sierra Nevada. O psiquiatra o chama apenas de John. "Todo o meu turbilhão e palavrório internos silenciaram e foram substituídos por uma quietude absoluta. Senti que eu havia chegado. Eu estava num estado de completo repouso, no qual todos os meus desejos e necessidades pareciam satisfeitos e todas as perguntas respondidas. Subitamente me dei conta de que essa paz inimaginável tinha algo a ver com a natureza do granito. Por incrível que pareça, senti que eu me tornara a consciência do granito. Compreendi, então, por que os egípcios faziam esculturas de deuses em granito e por que os indianos viam o Himalaia como a figura reclinada de Shiva. Era o estado de consciência imperturbável que eles veneravam".

Esses dados já contradizem frontalmente o sistema de crenças da ciência materialista. Mas a visão descortinada em estados ampliados de consciência vai muito além. Pois, o domínio da matéria, com seus bilhões de galáxias, representa nela apenas uma estreita faixa do campo contínuo que compõe a realidade. Adiante dele, estende-se a vastidão inconcebível dos domínios espirituais, povoados por uma profusão de personagens, que, na posição holotrópica da chave do interruptor, mostram-se tão ou mais reais do que os entes materiais. Grof e seus colaboradores reuniram uma quantidade prodigiosa de casos de encontros ou mesmo identificação com espíritos desencarnados, antigos mestres espirituais, personagens mitológicos e deuses e deusas de diferentes panteões.

UM AMOR IRRESTRITO

Um jornalista brasileiro, que para manter sua privacidade prefere não ser identificado, viveu experiência desse tipo durante uma sessão de respiração holotrópica. "A atividade mal havia começado, quando eu fui presenteado com uma visão do grande mestre espiritual indiano Babaji", afirma. "Ele estava na minha frente, a uma certa distância, com a mão direita levantada num gesto de benção. Era jovem, tinha cabelos longos, vestia uma túnica branca e emanava uma amor irrestrito. Sua figura possuía uma presença, qualidade plástica e luminosidade sem paralelos com qualquer personagem que possamos observar no mundo material. E se manteve estável durante as três horas que durou a sessão, não desaparecendo mesmo quando eu tive de interromper a atividade para ir ao banheiro. Eu estava perfeitamente desperto e lúcido e tenho certeza de que aquela visão não foi produto da minha fantasia ou imaginação."

Narrativas como esta podem ser recebidas com desdém pelos céticos. Mas os estados holotrópicos são pródigos em experiências semelhantes e qualquer um que as tenha vivido dificilmente duvidará de sua autenticidade. Nesses elevados patamares de consciência, o mundo material e o mundo espiritual apresentam-se como elos de uma corrente contínua, que as tradições místico-filosóficas nomeiam como a "grande cadeia do ser". E a matéria e o espírito mostram ser apenas diferentes manifestações da divindade única. "Quando experimentamos essas dimensões que estão ocultas à nossa percepção diária, percebemos, de maneira direta e irrecusável, o caráter divino da existência", enfatiza Grof.

Sri Aurobindo Ghose (1872-1950), um dos maiores iogues contemporâneos, teve essa percepção logo no início de sua prodigiosa trajetória espiritual. Aos 35 anos, engajado na luta pela independência nacional da Índia, ele buscou, na milenar disciplina da ioga, um método que otimizasse sua capacidade de trabalho e ação. Seu primeiro exercício de meditação profunda, sob a direção de um guru, resultou numa experiência que transformou radicalmente sua visão de mundo. "Com estupenda intensidade, ela me fez ver o mundo como um jogo cinematográfico de formas vazias na impessoal universalidade do Absoluto", escreveu ele anos mais tarde. "Não havia ego ou mundo. Não havia um ou muitos. Apenas um "Isso" sem feições, sem relações, puro, indescritível, impensável, absoluto. Todavia, supremamente real e a única realidade."

Contra sua expectativa e convicções filosóficas, Aurobindo havia entrado num estado espiritual que representava a mais alta meta de várias escolas místicas. Uma meta alcançada apenas por poucos e após longos anos de prática. Para ele, porém, esse foi apenas o primeiro passo, rumo a experiências ainda maiores, que se sucederiam num crescendo até o fim de sua vida.

Prosseguindo seu combate contra o domínio inglês da Índia, ele foi preso pelas autoridades coloniais e, na cadeia, teve acesso a um estado de consciência que o levou a ver Deus em todas as coisas. A visão se manteve imperturbável, mesmo diante do tribunal britânico: "Eu olhava para o conselho de promotores e não era o conselho de promotores que eu via", descreveu Aurobindo. Era o Senhor Krishna (uma das personificações divinas), que estava sentado lá e sorria. "Você ainda tem medo?", ele disse. "Eu estou em todos os homens e governo suas ações e palavras".

O COMO E O PORQUÊ

Na perspectiva holotrópica, a realidade inteira, com seus incontáveis enredos, personagens e conflitos, é um magnífico teatro, no qual Deus é o autor, o produtor, o diretor, a equipe técnica, os atores e a platéia. O "como" e o "porquê" desse jogo fascinante são perguntas que vêm intrigando, há milênios, a inteligência humana. E constituem um enigma insolúvel para o ego racional. A simples indagação "por que existe alguma coisa, ao invés do nada?" deixa mudas a ciência e a filosofia. Confirmando e até enriquecendo as inspiradas respostas dos grandes místicos, a moderna pesquisa da consciência permite encaixar novas peças nesse quebra-cabeça cósmico.

UMA NOVA E REVOLUCIONÁRIA VISÃO DA PSIQUE

Stanislav Grof iniciou sua pesquisa da consciência na antiga Checoslováquia, no ano de 1956. Ele trabalhava então no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Praga. E recebeu do Laboratório Sandoz, da Suíça, um kit com uma substância recém-sintetizada; o LSD. O laboratório queria sua opinião sobre o potencial que a droga oferecia para o tratamento dos distúrbios psíquicos.

Nas duas décadas seguintes, Grof coordenou mais de 4 mil sessões, nos quais testou a substância em milhares de voluntários. A investigação foi realizada no Instituto de Pesquisa Psiquiátrica, da Checoslováquia, e, depois, na Johns Hopkins University, no Maryland Psychiatric Research Center e no Esalen Institute, dos Estados Unidos, onde Grof passou a residir a partir de 1967. Sua conclusão foi que a droga não induzia formas específicas de alucinação, como se imaginava.

Ela funcionava, isto sim, como catalisadora e amplificadora das atividades da psique. Em outras palavras, tudo aquilo que as pessoas experimentavam durante as sessões eram seus próprios conteúdos psíquicos, muitos dos quais haviam permanecido inconscientes por toda a vida. Quando o LSD passou a sofrer restrições legais. Grof deixou de utilizá-lo e, junto com sua segunda mulher, Christina, desenvolveu uma nova e poderosa técnica de ampliação da consciência, que batizou com o nome de respiração holotrópica. Ela dispensa o emprego de qualquer substância química e consegue alcançar seu objetivo por meio da combinação de três ingredientes: uma forma específica de respiração, a audição de músicas de forte poder evocativo e intervenções corporais localizadas.

Sob a coordenação de profissionais credenciados, dezenas de milhares de pessoas já recorreram a esse método de investigação e transformação da psique. No Brasil, ele foi introduzido há mais de 15 anos, pelas mãos da psicóloga Doucy Douek, a principal discípula de Grof no país.

A enorme quantidade e a desconcertante variedade de experiências propiciadas pelas sessões de LSD e respiração holotrópica exigiram de Grof um exaustivo trabalho de sistematização e interpretação. O resultado foi uma revolucionária teoria da psique, que incorpora e supera os modelos de Sigmund Freud e Carl Gustav Jung e lança uma ponte entre a ciência de vanguarda e a sabedoria milenar das tradições espirituais.

A aguda consciência da necessidade desse intercâmbio o levou a fundar a International Transpersonal Association (ITA), ou Associação Transpessoal Internacional, uma entidade engajada na busca de novos paradigmas e no diálogo entre cientistas, artistas e líderes espirituais.

À frente da ITA, Grof organizou grandes congressos internacionais, que reuniram personalidades da estatura do físico David Bohm, do psiquiatra R.D.Laing, do cardeal brasileiro Dom Helder Câmara, do Dalai Lama e de Madre Teresa de Calcutá.

Livros do Grof em português

Além do Cérebro, Ed. MacGraw-Hill

Emergência Espiritual (em co-autoria), Ed. Cultrix

A Tempestuosa Busca do Ser, Ed. Cultrix

A Mente Holotrópica, Ed. Rocco

Além da Morte. Ed. Del Prado

A Aventura da Autodescoberta, Ed. Summus

O Jogo Cósmico, Ed.Atheneu



Associação Transpessoal da América do Sul // Tel: (0XX11) 3871-5955


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Artigo de Denizard de Souza - Brasília

"Muito Além do Cérebro"

Breve Comentário sobre Transcendência, um Campo além do Cérebro

O livro de Grof amplia o espectro de pesquisa da psique humana, acrescentando uma dimensão transpessoal à teoria e a prática psicológica. Grof utiliza fontes intelectuais diversas, quais sejam, o novo paradigma proposto à ciência pela Física quântica e sua convergência com as tradições milenares da Cultura oriental, a Psicanálise, notadamente os trabalhos de Freud, Jung, Adler, Reich e Otto Rank e a terapia psicodélica, por meio dos quais consegue estabelecer as bases científicas da “Psicologia Transpessoal”. Não se trata de mais uma corrente interpretativa dos fenômenos psicológicos, mas de um extenso e persistente trabalho de pesquisa em torno dos “estados incomuns da consciência” e sua exploração através da hipnose e da Terapia psicodélica.

Durante três décadas, desde quando transferiu-se da Checoslováquia para os Estados Unidos, em meados dos anos 60, Stanislav Grof promoveu inovações na pesquisa transpessoal, tendo como epicentro de suas investigações os domínios perinatais (que focalizam experiências de nascimento e morte) e transpessoais (que está além do nível biográfico-rememorativo). O Dr. Grof, utilizando-se da técnica da “respiração holotrópica” (modelo Taoísta da hiperventilação) e de recursos psicodélicos em sua atividade como psiquiatra e psicoterapeuta, proporcionava a seus pacientes o contato com suas experiências perinatais: acontecimentos do período gestacional, traumas vividos durante a passagem no parto natural, os primeiros contatos com o ambiente externo e a mãe, e além disso o paciente transcendia as “fronteiras” do nascimento biológico em busca de suas vivências transpessoais: os registros da zona de ligação entre o individual e o inconsciente coletivo, as experiências arquetípicas, o acesso ao estado de consciência da unidade no qual não há limites temporais ou espaciais entre a parte (o ego) e o todo (o universo) e por fim as recordações das experiências evolutivas anteriores (reencarnações passadas, que vão desde a formação do psiquismo primitivo nos ambientes unicelulares até os níveis auto-conscientes das encarnações humanas).

Grof ao lidar com esta “cartografia transpessoal da psique” enfrentou um duplo desafio: por um lado, utilizar a exploração dos diversos níveis perinatais e transpessoais como processo terapêutico, de alta eficiência na solução de problemas psiquiátricos e transtornos de diferentes matizes no universo da psicopatologia. Por outro, o Dr. Grof deveria “Caminhar o caminho místico com pés práticos”, isto é, manter-se no plano da pesquisa científica e do acompanhamento racional dos dados, ainda que estivesse superando o mecanicismo das leis e parâmetros da Ciência moderna. Como ele próprio definiu “precisava manter a psicologia transpessoal à altura dos trabalhos de seus pioneiros Carl Gustav Jung, Roberto Assagioli e Abraham Maslow”.

O que se observa no trabalho de Grof é o reconhecimento da importância dos aspectos espirituais da mente, ou seja, da transpessoalidade do psiquismo humano, tanto para o mapeamento das patologias que fogem a dimensão biográfica da existência, quanto para a construção dos fundamentos teórico-metodológicos de uma Psicologia que remete o homem a sua constituição cósmica. Trata-se de uma Psicologia que supera o reducionismo cerebrocêntrico, que houvera reduzido a experiência psíquica ao jogo cego das forças bioquímicas e a realidade neuronal. Em uma palavra, é possível dizer que a Psicologia Transpessoal, tal como demonstrada por Stanislav Grof em seu revolucionário “Além do Cérebro” é a Psicologia do Futuro: um conhecimento psicológico que reintegra o individual no coletivo, o essencial e o existencial, a diversidade em um sistema cósmico unificado.

Denizard de Souza é conferencista espírita, presidente da Associação dos Divulgadores Espíritas do Distrito Federal (ADE-DF), Diretor de Políticas de Comunicação da Associação Brasileira dos Divulgadores Espíritas (Abrade), Mestre em Sociologia e professor universitário.

Fonte: http://www.espiritnet.com.br/grof.htm