quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Fritjof Capra e o Ponto de Mutação



Por Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Nascido a 1 de fevereiro de 1939 e tendo obtido seu título de Doutor em Física pela Universidade de Viena em 1966, aos 27 anos, o austríaco Frijof Capra é, sem dúvida, um dos nomes mais significativos na divulgação da vanguarda dos progressos da ciência, da filosofia e, unindo tudo isso com consciência, principalmente da ecologia em nossos dias, indo, porém, sua contribuição muito além da mera populariação dos avanços da ciência moderna, o que, entre outras coisas, lhe tem custado a inveja e resistência de inúmeros acadêmicos convencionais. Seu nome está intimamente vinculado, de modo explícito, ao surgimento de uma nova maneira de se enteder a ciência e, desta forma, de se compreender a realidade que surge, espontaneamente, do questionamento atualmente presente em várias vertentes da ciência e da arte, envolvendo o modo como interpretamos a realidade e de como esta interpretação afeta nosso comportamento frente a nós mesmos e a natureza.

Ou seja, a obra de Capra reflete todo um clima intelectual e espritual que atualmente emerge em todo o mundo... Em pensar uma nova maneira mais sensível e significativa de entendimento, propício a uma mudança fundamental da compreensão humana quanto à natureza do conhecimento científico, quer na esfera das ciências físicas, quer na esfera das ciências biológicas e humanas, o que pode implicar, em linhas gerais, uma extraordinária - embora ainda não muito bem sentida e/ou pouco avaliada - transformação cultural. Autores como Alvin Toffler, Alain Touraine, Francisco Maturana, Michel Maffesoli, Frei Betto, Pierre Weil, Leonardo Boff, Stanislav Grof, Roberto Crema e, em especial, Edgar Morin são outros representantes ainda vivos deste movimento que está surgindo independentemente em vários lugares ao mesmo tempo, dentro e fora das academias - em especial fora, pois as academias estão muito dependentes dos recursos provenientes dos meios capitalistas que dizem o que é ou não "interessante" em ser pesquisado e aceito -, seguindo, de maneira mais ou menos independente, suas próprias linhas de pesquisas e que chegam, não obstante suas diferenças de especialização e de ordem cultural e geográficas, a atingir a mesma conclusão epistemológica sobre o atual estado das ciências e do conhecimento humano. Mas em todo este contexto, esta grande tapeçaria de fios intrelaçados, o nome de Fritjof Capra se destaca como sendo o ponto de junção destes vários pensamentos e tendências afins.

Esta Home Page [ver fonte ao final do texto] não visa fazer uma apresentação biográfica de Fritjof Capra. Os leitores mais interessados em sua vida e na evolução de seu pensamento poderão obter informações a esse respeito no livro "Sabedoria Incomum - Conversas com Pessoas Notáveis", do próprio Capra. Aqui, farei apenas uma breve apresentação das idéias do físico-filósofo, especialmente no que toca a algumas mais sutis e que são, muitas vezes, pouco discutidas.

Quando mais jovem, curioso e independente, Capra se deixou levar pela singularidade dos movimentos sociais e pela explosão contestatória dos anos 60, a época da "Revolução das Mentalidades", como bem fala a professora Rose Marie Muraro, que representava a reação da juventude e de outros setores da sociedade a todo um aspecto de uma estrutura econômico-social que não estava satisfazendo às aspirações humanas mais profundas, como, por exmplo, liberdade, igualdade, solidariedade e pela sede de se viver em harmonia para além da imposição do consumismo, com o homem e a natureza, de modo orgânico, diante da tecnocracia desumana dominante e das lutas ideológicas entre os blocos políticos divergentes, que fragmentavam e alienavam as relações entre pessoas e povos e impunham, através da cultura de massas e de relações profissionais, formas e normas de ver que eram [e são ainda] hierárquicas, dominadoras, patriarcalistas e frias, seguindo rígidos modelos ditos "racionais" de divisão de tarefas, transformando as pessoas em burocratas consumidoras e algumas ainda mais que isso...

Estas divisões são consideradas, em nossa herança cientificista calcada no capitalismo, como sendo pragmáticas e úteis diante de um racionalismo mecanicista que é visto como sendo o modo 'superior', ou seja, o "único" correto, de se administrar a sociedade e suas várias estruturas internas. Tal discurso esquece o exemplo da História de que a única constante é a própria mudança e que os pretensos dizeres que justificam cada etapa são sempre discursos de Poder, que visam sedimentá-lo e naturalizá-lo em meio as suas muitas contradições factuais.

O Tao da Física

Em virtude de seu engajamento juvenil ao clima de constestação dos anos 60, que procurava romper os limites e convenções sociais de então - e que dava aos jovens um profundo sentimento de coesão e aproximação, numa identidade revolucionária -, Capra, assim como vários outros, como os Beatles, sentiu-se estimulado a estudar e, acima de tudo, vivenciar formas não ocidentais de percepção do mundo e de resgatar os valores e culturas de povos ou etnias consideradas por nossa arrogância como exóticas ou "inferiores" aos do ocidente industrial. Daí seus profundos estudos sobre a filosofia oriental e das tradições culturais xamânicas e indígenas de outras culturas não ocidentais. Tudo isso, toda essa aproximação com o diferente, porém, feita sem negligenciar, por um só momento, das tradições e do desenvolvimeto intelectual do ocidente, naquilo que ele tem de melhor. Por isso, Capra se encontrava e trabalhava com nomes como Werner Heisenberg, Geoffrey Chew, Stanislav Grof, Gergory Bateson que compartilhavam igualmente de grande interesse por estas culturas, assim como Allan Watts, Carlos Castañeda, e tantos outros. Nunca abandonou suas pesquisas em Física de alta energia e relizou várias delas em universidades como as de Paris, Santa Cruz, Imperial College de Londres e Berkeley. Além disso, ele começou a experienciar algumas abordagens orientais de meditação e exercícios tais como o T'ai Chi Ch'uan e a Yoga, a conhecer o pensamento de filósofos orientais contemporâneos, como Krishnamurti, bem como participar de alguns grupos de encontro naquilo que se chamaria de Psicologia Humanista e em debates sobre Ecologia com pessoas que buscavam experienciar formas alternativas de convivência, de sentir e compartilhar com outros, vivenciando mais plenamente o contato interpessoal, num aspecto que era típico da segunda metade dos anos 60, e que tão forte participação tivera nos movimentos políticos de então.

Em um verão de 1969, Capra estava sentado em frente ao mar, numa praia da Califórnia, observando as ondas e refletindo sobre os vários movimentos rítmicos da natureza: as ondas, as batidas do coração e o rítmo da respiração associando-os ao que ele sabia, intelectualmente, sobre a "estrutura" física da matéria, que é composta de moléculas e átomos em constante vibração... Bom, a união disso tudo, somado aos seus estudos e vivências de tantos anos em Física, juntamente com a visão paradisíaca da praia em que estava, acabou por estimular em Capra, subitamente, aquilo que os piscólogos transpessoais, especialmente Abraham Maslow, chamam de "peak experiences", ou experiências culminantes, que são "estalos" intuitivos, ou, como falam os americanos, "insights" de súbita compreensão intuitiva sobre algo que se percebe e que está, frequentemente, além do nível convencional de racionalização linear... Segundo as palavras do próprio Capra:

"Neste momento, subitamente, apercebi-me intensamente do ambiente que me cercava: este se afigurava a mim como se participasse, em seus vários níveis rítimicos, de uma gigantesca dança cósmica. Eu sabia, como físico, que a areia, as rochas, a água e o ar ao meu redor eram constituídos de moléculas e átomos em vibração constante (...). Tudo isso me era familiar em razão de minha pesquisa com a Física de alta energia; mas até aquele momento, porém, tudo isso me chegara apenas através de gráficos, diagramas e teorias matemáticas. Mas, sentando na praia, senti que minhas experiências anteriores subitamente adquiriam vida. Assim, eu "vi" (...) pulsações rítmicas em que partículas eram criadas e destruídas (...) Nesse momento compreendi que tudo isso se tratava daquilo que os hindus, simbolicamente, chamam de A Dança de Shiva (...)".

"Eu passara por um longo treinamento em Física teórica e pesquisara durante vários anos. Ao mesmo tempo, tornara-me interessado no misticismo oriental e começara a ver paralelos entre este e a Física moderna. Sentia-me particularmente atraído pelos desconcertantes aspectos do Zen que me lembravam os enigmas da Física Quântica (...)

Fritjof Capra in O Tao da Física
(com adaptações minhas), Prefácio.

Hoje em dia, 30 anos depois desta experiência, os paralelos entre ciência moderna - a grande semelhança na forma de ver e entender o mundo que advém da exploração da física subatômica, em especial a Mecânica Quântica, e da Teoria da Relatividade de Einstein - e as várias tradições místicas, quer do oriente, quer do ocidente, já é questão muito debatida e quase lugar comum e é reconhecida por inúmeras pessoas, especialmente em cientistas e escritores como Mário Schenberg, David Bohm, B. D. Josephson, Pierre Weil, Stanislav Grof e muitos outros. O próprio Carl Sagan, geralmente tão cético e explicitamente arredio a estes assuntos, em sua obra prima, Cosmos, se detém, em um de seus capítulos, entre estes paralelos. Mas, antes de Capra, poucas pessoas haviam percebido estes paralelos, ainda que entre os poucos se encontrassem nomes de peso como Niles Bohr e Werner Heisenberg. Capra sabia disso, e, por causa desta experiência por que passara em 69, ele se decidiu - na verdade, se arriscou - a escrever um livro que demonstrasse esses extraordinários paralelos. Foi daí que nasceu, em 1975, seu best seller O Tao da Física que mostrou a milhões de pessoas a realidade destes paralelos e deixou claro que, por mais sofisticados que sejam nossas descrições e modelos sobre a realidade, estes serão apenas constructos e mapas de nossa compreensão mental sobre o mundo.

Convém, no entanto, desde já, expor aqui algo que, numa avaliação superficial de muitos - às vezes, com uma adicional dose de polêmica e má fé-, é freqüetemente imputado à Capra:

A Ciência ocidental moderna não é inferior e nem está, grosso modo, simplesmente redescobrindo ou endossando a sabedoria antiga. Ela simplesmente está, por seu próprio método racional e analítico, chegando a um ponto em que suas teorias passam a refletir uma realidade física que tem muito em comum com a forma de como o místico (o autêntico místico dedicado ao seu desenvolvimento espiritual e do próximo, sem querer impor sua forma de vida e nem comercializá-la como muitos pseudo-místicos de nossos dias) descreve o mundo quando experiencia seus estados alterados de consciência. Por isso não faz sentido se abraçar, como alguns dizem, por conta dos extraordinários paralelos existentes entre a percepção de mundo do físico e do místico, o método do místico para enriquecer a ciência ocidental ou para proporcionar uma síntese entre ambas as abordagens. A mistura dessas duas abordagens seria um erro tremendo, pois teriamos uma massa informe, e não aspectos complementares de se entender a realidade. Capra nunca falou isso, muito pelo contrário. Eis o que ele escreve em O Tao da Física:

"(...) Considero a ciência e o misticismo como manifestações complementares da mente humana, de suas faculdades intelectuais e intuitivas. O físico moderno experimenta o mundo através de uma extrema especialização da mente racional; o místico, através de uma extrema especialização de sua mente intuitiva. As duas abordagens são inteiramente diferentes e envolvem muito mais que uma determinada visão de mundo físico. Entrentanto, são complementares, como aprendemos a dizer em Física. Nenhuma pode ser realmente compreendida sem a outra; nenhuma pode ser reduzida à outra. Ambas são necessárias, suplementando-se mutuamente para uma compreensão mais abrangente do mundo. Parafraseando um antigo provérbio chinês, os místicos compreendem as raízes do Tao mas não os seus ramos; os cientistas compreendem seus ramos, mas não as suas raízes. A ciência não necessita do misticismo e este não necessita daquela; o homem, contudo, necessita de ambos. A experiência profunda da mística é necessária para a compreensão da natureza mais profunda das coisas, e a ciência é essencial para a vida moderna. Necessitamos, na verdade, não de uma síntese, mas de uma interação dinâmica entre intuição mística e a análise científica" (1995, p. 228).

Convém dizer que esta mesma idéia é tanto adotada por cientistas, como Grof (1988), LeShan (1993), Goswami (1998) quanto por teólogos, como Leonardo Boff (1994) e Frei Betto (Boff & Betto, 1995) e místicos (Satya Sai Baba), por exemplo. Aliás, já Einstein dizia que "Ciência sem religião é cega; religião sem ciência é paralítica"... Por isso, é bom ter cuidado com as exaltações ou radicalismos de ambos os lados, tanto da ciência extremamente mecanicista, quanto a de pseudo-místicos que pipocam à torto e a direito por todas as partes... O que se pretende é se erigir pontes para a troca interdisciplinar de conhecimentos e se chegar a um entendimento o mais abrangente e unitivo possível de nossa realidade, não uma mistura inconsequente de disciplinas.

O grande sucesso, porém, alcançado por O Tao da Física e o contato com várias pessoas em palestras e aulas, levaram Capra a perceber uma sutil realidade: não era a relação descritiva dos avanços da ciência, em si, e nem a descrição dos insights dos místicos que mais tocavam as pessoas ao lerem O Tao da Física, era um algo mais: "o reconhecimento das semelhanças entre a física moderna e o misticismo oriental faz parte de um movimento muito maior, de uma mudança fundamental de visões de mundo, ou paradigmas, na ciência e na sociedade, que agora estão se manifestando por toda a Europa e América, e que implica uma profunda transformação cultural. Esta transformação, esta profunda mudança de consciência, é o que as pessoas sentiram intuitivamente nas últimas duas ou três décadas, e é por isso que O Tao da Física tangeu uma corda tão sensível" (Capra, 1995, p. 241).

O Ponto de Mutação

Este "movimento muito maior" de que nos fala Fritjof Capra já era algo que estava no ar desde o início do século... Na verdade, o fracasso das promessas de um paraíso na terra, baseado num ideal puramente capitalista-materialista advindo pelo progresso tecnológico e expresso na crença positivista de que esta por si (como se independente do capitalismo ganancioso que a estimula) resolveria todos os problemas e deixaria as maravilhas da modernidade acessível a todos - e que já era questionada como crença ingênua por muitos desde meados do século passado -, rachou espetacularmente diante da tragédia bizarra da Primeira Grande Guerra, da Segunda Grande Guerra, do Neocolonialismo americano e das ditaduras financiadas na América Latina e de figuras como um Reagan e um Bush. De repente estava muito visível que não era na crença do progresso técnico que estava a questão da possível felicidade humana, mas na maturação psicológica das pessoas que usavam de toda esta tecnologia e na divisão dos frutos do progresso com todos, naquilo que existe de mais fundamental, como educação e saúde e, enfim, na possibilidade de se ampliar as capacidades mais especificamente humanas, como a fraternidade e o altruísmo.

O sucesso do desenvolvimento tecnológico era inquestionável e foi tal seu impacto na sociedade que era realmente muito difícil não se deixar fascinar pelas grandes maravilhas que estavam realmente promovendo o progresso social e, igualmente, trazendo conforto e reduzindo as distâncias entre os indivíduos e, em certo sentido, entre as nações. Mas também trouxe, no rastro da Revolução Industrial, o início de uma era de desigualdades sociais e de crescente alienação familiar, profissional e política. Karl Marx e tantos outros apontaram, de modo contundente, toda a crueza de um desenvolvimento parcial mais calcado nos ganhos materiais de uma minoria que no equilíbrio entre bens e bem-estar social. Mas as idéias, tão arduamente difundidas pelo positivismo e tantas outras escolas, especialmente as do Darwinismo-Social, enfatizavam de modo dramático (e parcial) a decantada vitória do Homem Ocidental (homem mesmo, pessoa do sexo masculino) sobre a Natureza (que era entendida, mesmo de forma inconsciente, como fêmea). Claro está que todo este desenvolvimento era financiado pelos grandes e recém-enriquecidos capitalistas, o que, de certo modo, acabava por influenciar igualmente, neste contexto, a filosofia da ciência. Max Weber, em especial, possui excelentes estudos em Sociologia sobre isto, como, por exemplo, em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. E muitos outros autores escreveram e pesquisaram amplamente sobre isso, embora, como é óbvio, estas pesquisas e idéias ficassem restritas a poucos estudiosos, já que o capitalismo dava as cartas sobre o que devia ou não ser conhecido ou divulgado.

Mas estas percepções, bem ou mal, começaram a ser incomodamente sentidas por todos. Filmes como Metrópolis, do alemão Fritz Lang, ou Tempos Modernos, do britânico Charlie Chaplin, expressavam, nas telas, algo que há muito tempo se sentia, mas que não se conseguia pôr facilmente em palavras. Movimentos artísticos, como o Dadaísmo e tantos outros, expressavam, pela arte, o desencanto diante da alienação humana e afetiva diante da mecanização das relações de trabalho. Movimentos, como a Escola de Frankfurt, na Alemanha, e os vários movimentos operários na Europa estavam questionando vividamente o porquê da vida nas grandes cidades serem tão mecânicas, críticas feita especialmente à fragmentação extrema e extrema alienação no trabalho que advinham de escolas como, por exemplo, o taylorismo e o fordismo. A Revolução Russa de 1917, por fim, parecia ser a materialização da revolta que crescia entre a maioria da população do mundo frente as grandes desigualdades sociais. Claro, o capitalismo lucrativo teve de se movimentar rápido para neutralizar o "perigo" da ameaça comunista, e nisto tiveram excepcional ajuda de um tirano como Joseph Stalin e da imaturidade de muitos "comunistas" ao redor do mundo...

Todo esse caldeirão de 'sentimentos no ar', vinha sendo sentida e, por fim, tiveram uma explosão mais óbvia até mesmo nos Estados Unidos, qua ainda parecia estar imune a esta movimentação toda, mas que veio à tona nas décadas de 60 e 70. Este boom de mobilizações sociais ocorriam paralelamente a uma outra grande revolução no campo da própria ciência, que, em um estado fundamental, ajudou a erigir o quadro mecanicista que provocou o questionamento do modo de vida mercantilista da sociedade ocidental mas que, agora, dava à conhecer novas descobertas que minavam a visão de mundo causal, determinista e materialista dominante. Infelizmente, porém, a reação conservadora e poderosa dos capitalistas não se fizeram de rogada, e, manipulando a mídia e os mercados, impuseram nomes como Reagan, Tatcher, João Paulo II, Collor, Bush e outros para freiar e reverter "a Revolução das Mentalidades".

Capra passou anos estudando e avaliando o que havia descoberto enquanto o Tao da Física corria o mundo. Seu contato com pessoas extraordinárias como Gregory Bateson, Ilya Prigogine e tantos outros o levaram a amadurecer as ideás que se expressam no que, talvez, seja o seu mais importante livro, ou pelo menos, seu livro mais lido e comentado: O Ponto de Mutação, que foi publicado em 1982.

Neste livro, Capra investiga as implicações e impactos do que tomava a forma de uma mudança de paradigmas, como havia previsto e estudado o físico Thomas Kuhn, mais de 20 anos antes. O ponto de partida desta investigação foi a observação de que os principais problemas visíveis do século XX - ameaça nuclear, destruição do meio ambiente, desigualdades e exploração gritante entre Norte e Sul, preconceitos políticos e raciais, etc. - são todos sintomas ou aspectos diversos do que, no fundo, não passa de uma única crise fundamental, que é uma crise de percepção, uma percepção distorcida baseada no individualismo e na separatividade entre pessoas, coisas e eventos.

Esta crise é promovida quando, pela educação, cultura e ideologia dominantes, nós e nossas instituições adotamos conceitos e introjetamos valores que, apesar de sentidos como obsoletos, servem para justificar e racionalizar sentimentos menos nobres como a avareza, por exemplo. Quando estes conceitos e valores tomam a roupagem do racionalismo científico, então, parece haver uma catarse coletiva, já que, mesmo que estejamos agindo contra o bem-estar comum, especialmente na agressão ao meio-ambiente, estamos igualmente "agindo de forma científica ou, ao menos, racional". Passamos a nos sentir menos culpados e mais ligados a uma ideologia que justifica nossas atitudes insanas. Mas, agora, estas atitudes, por mais que possam ser racionalizadas, se mostra como muito próxima de uma esquizofrenia suicida geral diante das mazelas que ela tem feito a um mundo superpovoado e globalmente conectado.

Ao mesmo tempo em que a grande maioria, até mesmo por questão de sobrevivência (não tendo o direito à vivência da existência) e por ignorância ou desconhecimento da realidade subjacente à crise atual, que é uma crise de percepção (veja-se, por exemplo, o papel da Mídia no Brasil para a manunteção do status quo de uma elite corrupta detentora da maior parte da Renda produzida na nação, e para o continuismo do poder atual), atrela-se ao modus operandi atual, um grupo muito importante de pessoas, que vão de vovôs, cientistas, filósofos e pesquisadores até a grupos de estudantes, ONGs, religiosos e outros, formam numerosas redes alternativas que questionam e desenvolvem uma nova visão de realidade que formará a base das tecnologias e das relações sociais e econômicas, se o deixarem e não apertarem o botão, do nosso futuro.

O atual paradigma, que já nós deu inúmeras mostras de esgotamento e de incapacidade de solucionar inúmeros problemas básicos e existenciais do ser humano, vem dominando amplamente nossa cultura e educação há quase 400 anos, desde que Copérnico conseguiu, graças a Deus, enfrentar os dogmas rígidos e ultrapassados da Igreja Católica, abrindo espaço para a Revolução Científica de fins da Idade Média, e que, com o tempo, nos legou nomes como Galileu, Descartes e Newton... Este paradigma atual, que Capra chama de newtoniano-cartesiano, teve um impacto benéfico ao libertar a razão das amarras da superstição e do controle eclesiástico, mas foi, com o tempo, hipertrofiado. Ele consiste numa série de idéias e pressupostos, com determinados valores implícitos, que acaba por ser o referencial subliminar de nosso modo de entender o mundo já que é a base filosófica pela qual a ciência se apoia e é o modelo usado na educação de nossos filhos.

Não podemos, no atual estado de evolução do mundo adulto, expressar as nossas experiências com e no mundo sem que tenhamos de interpretá-las intelectualmente, e esta interpretação, em suas caractertísticas básicas que devem ser compartilhada com/pela a maioria das pessoas, depende da filosofia subjacente com que encaramos os dados sensoriais. Esta filosofia subjacente é que constitui o paradigma newtoniano-cartesiano.

Ele pressupõe, grosso modo, que o universo que nos engloba é uma grande máquina mecânica - ou age como tal - que é inteligível se nós nos lembrarmos de que ela, tal como um relógio, nada mais é que um composto, formado por pequenas partes elementares, os átomos. Por isso, tudo o que neste universo existe, inclusive os seres humanos, pode ser entendidos da mesma forma, ou seja, como uma máquina biológica igualmente composta por átomos "burros", mas que, por obra do acaso, durante bilhões de anos de evolução cega, chegou, de uma forma complexa, a produzir vida consciente (consciente? Alguns cientistas, como os behavioristas radicais da escola de B.F. Skinner, chegam a negar que ela exista).

Este modelo, sendo mecanicista e materialista em essência, também postula o domínio da Natureza máquina pelo homem-máquina e exige, em termos econômicos, um ilimitado crescimento material a ser conquistado de forma exponencial mediante o crescimento econômico e tecnológico. E este aspecto, de conquista e domínio da Natureza, reitera, inconscientemente, a convicção de que a força do "homem", do macho, e sua ação, é mais produtiva, tornando "natural" a consideração (que vem desde a herança hebráica adotada pelo cristianismo pós-Cristo) de que a mulher é subordinada ao homem. Porém, desde a revolução promovida por Einstein na Física, e com o abalo feito em nossos pressupostos clássicos pela mecânica quântica, passando por eventos e questionamentos sociais, toda essa visão de mundo bem amarradinha passou a ser severamente questionada e, com a evolução subsequente, tem mostrado sérias limitações que exigem uma revisão radical.

A questão da mudança radical nos conceitos de espaço, tempo e matéria, que adveio da Física Moderna, Capra já tinha discutido em O Tao da Física, mas faz uma apresentação mais acessível em O Ponto de Mutação. Em especial, durante toda a obra, Capra faz uma crítica fundamental à mentalidade analítica e fragmentadora da ciência normal, em especial, às ciências que tomam o método analítico da Física Clássica de Newton como modelo que deve ser seguido para erguer as demais ao status de ciência perante a comunidade acadêmica (é interessante observar a obsessão de algumas pessoas com isso. Alguns Psicólogos Sociais só se sentem bem quando reduzem pessoas e comportamento complexos, artificialmente, a números e gráficos cartesianos, para se verem como físicos sociais). Cabe salientar que a própria Física já superou esta mentalidade das bolas de bilhar atômicas que rolam numa mesa tridimensional, o espaço, segundo as forças que atuam sobre elas de forma determinística, embora a maioria dos físicos tenham ainda uma percepção newtoniana do mundo.

Vejamos, agora, algumas das mudanças radicais que advém da construção de um novo paradigma, feito pelas ciências de vanguarda, especialmente a Física, a Biologia, a Cibernética, a Ecologia e a Psicologia não-behaviorista e não-freudiana:

Não faz mais sentido se falar em blocos de construções básicos ou entidades físicas fundamentais, como os átomos indivisíveis de Demócrito e Newton, que é o postulado metafísico básico da mecânica clássica. Ao nível subatômico e ao nível ecológico não faz sentido mais se falar em peças isoladas que interagem entre si, mas em padrões de relações entre partes que estão inclusas em uma estrutura maior, um todo dinâmico, sendo a relação em si mais importante que as partes que "sentem" esta relação... Einstein demonstrou que matéria não é nada mais que energia condensada, sendo esta condensação, segundo a teoria Geral da Relatividade e da Teoria Quântica, nada mais que um "nó" no espaço, ou seja, um elétron, por exemplo, nada mais é que a condensação de energia num ponto do campo sutil que é o espaço. Em termos grosseiros, nada mais é que um 'caroço' de energia condensada. Além do mais, o comportamento do elétron depende do comportamento do átomo todo e deste com os demais átomos e campos que o cercam e interagem continuamente com ele. Neste sentido, é mais correto se falar em eventos e interrelações como a descrição da realidade do que dizer que determinadas partes atuam de tal ou tal forma para definir o todo. Esta é exatamente a mesmíssima idéia da Ecologia: somos frutos em interação do ambiente natural, e não independentes dele. O que fazemos contra a natureza fazemos, de modo brutal e estúpido, a nós mesmos...

Um segundo ponto fudamental, que está correlacionado com o primeiro acima descrito, é que o modo como nós, seres humanos, interagimos com o mundo, dentro de uma determinada visão de mundo, acaba por influenciar nas respostas que este nos dá. Isso é particularmente dramático na Física, onde um elétron possui uma dupla caracterítica extremamente paradoxal: ele pode ser, ao mesmo tempo, uma partícula (como geralmente o entendemos e pensamos que seja) como pode ser algo completamente diferente e, em última instância, completamente contraditório a uma partícula... Ele pode, simplesmente, estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, porque possui característica de onda... E a forma como ele vai se apresentar para a gente vai depender da forma como nós esperamos que ele apareça! Desta forma, a natureza só nos dá, em parte, aquilo que nós esperamos, ou melhor, acreditamos que ela nos dará. Isso aponta para algo que sempre foi negligenciado ou nem mesmo pensado: nossas teorias sobre o mundo, não são descrições desse mundo, mas mapas conceituais que se auto-validam dentro de nossas convenções do que seja válido ou não em ciência. Isso é grave e exige uma mudança da ciência objetiva (em que se crê que o observador nada tem a ver com o objeto observado) para uma ciência epistêmica, em que tem de se levar em conta o próprio processo humano de conhecer e fazer ciência. No final, a natureza é um espelho de nossos próprios modelos mentais sobre a natureza.

Isso implica que não pode haver uma ciência acabada, com postulados fundamentais fixos. O conhecimento humano é um edifício que está longe de ser sólido e concluído, e, frequentemente, ele escolhe algumas pedrinhas e descarta outras a priori, devido ao paradigma fundamental que diz o que é e não é válido em ciência. Thomas Kuhn, em especial, nos mostra que os fundamentos científicos, vez por outra, sofrem um abalo tremendo, o que implica na reconstrução de todo o prédio conceitual e, com isso, mudam as janelas e a forma de olharmos a realidade. Isso ocorre no período denominado de Revolução Científica, que, em nosso século, foi exemplificado pela Teoria da Relatividade, Teoria Quântica, Cibernética, Ecologia e Psicologia Transpessoal.

No final, o que Capra deixa bem claro é o seguinte: A sobrevivência humana, que é ameaçada por várias ações igualmente humanas advindas de uma visão de mundo mecanicista e fragmentada, só será possível se formos capazes de mudar radicalmente os métodos e os valores subjacentes à nossa cultura individualista e materialista atual e à nossa tecnologia de exploração do meio-ambiente. Esta mudança deverá, logicamente, refletir-se em atitudes mais orgânicas, holísticas e fraternas entre os seres humanos e entre estes e a natureza, em todos os seus aspectos. Claro, Capra discorre esplendidamente sobre tudo isso de maneira muito mais aprofundada e interessante do que me seria capaz de expor aqui. Recomendo, pois a leitura de O Ponto de Mutação.

A Teia da Vida

O mais recente livro de Fritjof Capra, A Teia da Vida, retoma a visão de interligação ecológica de todos os eventos que ocorrem na Terra e da qual fazemos parte, de forma fundamental. Em muitos pontos, este pode ser o livro mais profundo dos já escritos por Capra. Ele nos apresenta seu conceito de Ecologia Profunda neste livro, um termo que, para ele, é mais apropriado que o termo 'holístico', já bastante gasto por pessoas que se apropriaram erroneamente deste termo para comercializá-lo. Nada melhor, então, do que lermos o próprio Capra...

"O novo paradigma que emerge atualmente pode ser descrito de várias maneiras. Pode-se chamá-lo de uma visão de mundo holística, que enfatiza mais o todo que as suas partes. Mas negligenciar as partes em favor do todo também é uma visão reducionista e, por isso mesmo, limitada. Pode-se também chamá-lo de visão de mundo ecológica, e este é o termo que eu prefiro. Uso aqui a expressão ecologia num sentido muito mais amplo e profundo do que aquele em que é usualmente empregado. A consciência ecológica, nesse sentido profundo, reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos e o perfeito entrosamento dos indivíduos e das sociedades nos processos cíclicos da natureza. Essa percepção profundamente ecológica está agora emergindo em várias áreas de nossa sociedade, tanto dentro como fora da ciência.

"O paradigma ecológico é alicerçado pela ciência moderna, mas se acha enraizado numa percepção existencial que vai além do arcabouço científico, no rumo de sua consciência de íntima e sutil unidade de toda a vida e da interdependência de suas múltiplas manifestações e de seus ciclos de mudança e transformação. Em última análise, essa profunda consciência ecológica é espiritual. Quando o conceito de espírito humano é entendido como o modo de consciência em que o indivíduo se sente ligado ao cosmo como um todo, fica claro que a percepção ecológica é espiritual em sua essência mais profunda, e então não é surpreendente o fato de que a nova visão da realidade esteja em harmonia com as concepções das tradições espirituais da humanidade".

Fritjof Capra

Bibliografia:

° Boff, Leonardo. Nova Era: A Civilização Planetária, Ed. Ática, 1994.

° Betto, Frei. A Obra do Artista - Uma Visão Holística do Universo, Ed. Ática, 1995.

° Capra, Fritjof. O Tao da Física, Ed. Cultrix, 1995.

° Capra, Fritjof. O Ponto de Mutação, Ed. Cultrix, 1992.

° Capra, Fritjof. A Teia da Vida. Ed. Cultrix, 1996.

º Capra, Fritjof. Sabedoria Incomum, Círculo do Livro, 1992.

° Capra, Fritjof. Pertencendo ao Universo, Ed. Cultrix, 1995.

º Kuhn, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas, Ed. Perspectiva, 1990.


Fonte: http://br.geocities.com/carlos.guimaraes/Capra.html

Filme: http://video.google.com/videoplay?docid=854094769667634943

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito grata ao autor do blog pela facilitação. Providencial!! Joana